Aos totalitários de todos os partidos

Data da matéria: 01/09/2006

Em seu livro “O caminho para a servidão”, escrito em 1944, Friedrich Hayek dedica sua obra “aos socialistas de todos os partidos”. O texto é referência, até hoje, para os que acreditam na liberdade humana e entendem a necessidade de permanente prontidão contra a ameaça do totalitarismo e da ocupação política e econômica pelos que, em nome da maioria, defendem a continuação de privilégios para uma “minoria iluminada” que ocupa a burocracia estatal.

A queda do regime totalitário na União Soviética, do Muro de Berlim e a falência de Cuba sacramentaram suas previsões: o Estado não é a resposta para tudo.

O Estado não é a resposta para tudo, mas é a resposta para o mais importante: investimentos em capital humano.

Os países que hoje se colocam nas fronteiras do desenvolvimento concentraram a ação do Estado nas três áreas que permitem que os cidadãos tenham, ao longo de suas vidas, acesso e oportunidade de forma igual, eliminando privilégios e premiando a meritocracia: saúde, segurança e educação, com destaque acentuado para a última.

Com base nesta constatação elaboramos a Agenda 2020, documento que parte de pesquisas de opinião independentes, dados históricos sobre a capacidade de investimento do Estado e demonstrativos financeiros das empresas. O estudo está disponível em www.acendebrasil.com.br, seção “Estudos”, “Agenda 2020”.

O documento acima já foi divulgado em vários fóruns e acolhido pelos que acreditam nos princípios de eficiência, transparência e compromisso com o Brasil.

Já imaginávamos que alguns ideólogos se ressentissem de nosso estudo porque, como prevíamos, leriam as primeiras páginas e, ofendidos com a força dos números dos dois primeiros capítulos, já se precipitariam a tirar conclusões sem chegar ao fim do documento.

Empreendedores privados não são políticos – daí a Agenda 2020 não ser um documento político-ideológico –, são empresários que investiram dezenas de bilhões de reais na última década e investirão, em 2006, cerca de R$ 6 bilhões. Já passamos por duas eleições presidenciais e, até o final de nossos contratos, passaremos por mais algumas eleições. Não podemos nos dar ao luxo de fazer escolhas políticas e muito menos ideológicas.

Não promovemos nenhum antagonismo entre empresas estatais e privadas. Ao contrário: promovemos a complementaridade entre os dois tipos de agentes, desde que ela aconteça com responsabilidade e transparência.

Nosso documento em nenhum momento defende “Estado Mínimo”, mas um Estado eficiente e concentrado em priorizar investimentos em capital humano. Seríamos menos críticos se, após a oferta de saúde, educação e segurança a todos os cidadãos, houvesse disponibilidade suficiente de capital estatal para assumir a demanda total de serviços como energia elétrica. Também ficaríamos calados se o “empreendedorismo estatal” fosse sempre feito com responsabilidade e transparência, garantisse remuneração compatível com o custo de capital e representasse competição isonômica com empreendedores privados.

Há bons exemplos de estatais que se vêm destacando nessa direção. Entre elas, citamos a Cemig, que tem demonstrado crescente capacidade de análise e execução de investimentos com respeito aos princípios de governança corporativa em vários níveis.

O Estado, sozinho, não conseguirá vencer o desafio da expansão do setor elétrico brasileiro. Esta conclusão, detalhada na Agenda 2020, é feita com base: a) na queda de investimentos da União, estados e municípios nos últimos 30 anos; b) na freqüente frustração entre promessa e realidade de investimentos feitos pelas estatais; c) no sufocante aumento da carga tributária, que já começa a gerar um movimento de reação da população e, portanto, impossibilita o acesso de governos a mais recursos via aumento de impostos; d) na má qualidade das despesas públicas, que sufoca o direcionamento do orçamento para investimentos públicos, uma vez que gastos correntes absorvem a maior parte da arrecadação.

Quanto à falta de isonomia entre estatal e privado, ela é materializada na Agenda 2020 de diversas formas. Primeiro exemplo: qual argumento racional uma empresa estatal que teve prejuízo nos 10 últimos anos pode usar para justificar o investimento de centenas de milhões de reais na construção de linhas de transmissão, atividade que hoje tem promovido leilões competitivos com altíssimos deságios? De onde vem esse dinheiro? Nenhum conselho de empresa privada aprovaria esse tipo de “estratégia”, que só é possível porque quem assume o prejuízo somos nós, os contribuintes brasileiros.

Outro exemplo de falta de isonomia é retratado no leilão de dezembro de 2005, quando foram adquiridas sete novas usinas hidrelétricas. Segundo dados apresentados pelo BNDES, as quatro usinas compradas por um consórcio privado-estatal e dois empreendedores privados proporcionaram uma taxa interna de retorno ponderada de 15%. Já as três usinas compradas pelas estatais Furnas e Eletrosul obtiveram um retorno de 8,1%, que não remunera sequer o custo do capital pertencente aos contribuintes brasileiros, que, com seus impostos, construíram as estatais ao longo de décadas.

Alguns ainda não entenderam o papel das agências reguladoras e demonstram falta de compreensão conceitual sobre a necessidade de separação entre governo e Estado. O primeiro é provisório e tem interesses, legítimos, de curto prazo, mas que podem colidir com os interesses de longo prazo da sociedade. O segundo é um Estado que deve sobreviver a atos irresponsáveis e populistas e dar sinais econômicos corretos aos empreendedores, estatais e privados, que assinam contratos (com o Estado, e não com o governo) de 15 a 30 anos. É necessário que haja uma entidade, chamada agência reguladora, que atue com autonomia para equilibrar os interesses de consumidores, governo e empreendedores.

É difícil para os que estavam acostumados aos tempos em que o governo exercia todos os papéis (regulador, empresário e formulador de política) aceitar a necessidade de um ente como a Aneel. Mas estamos em 2006 e há vasta literatura sobre o tema que podemos recomendar para resgatar algumas pessoas de tal nostalgia.

Aliás, tivemos grata surpresa ao saber que um representante do Ministério de Minas e Energia – também ligado à formulação de regras competitivas e representante de um partido político nas próximas eleições – se desligou do conselho de administração de Furnas. Exemplo a ser seguido pelos demais em situação semelhante. O risco de conflito de interesses, uso político e assimetria de informação em relação aos competidores privados pode ser facilmente evitado.

Não podemos, no entanto, deixar de expressar nossa indignação ao conhecer o desprezo que algumas pessoas têm por resultados de pesquisas de opinião executadas por instituições independentes. Para elas, se os números não amparam suas teses, a alternativa passa por tentar destruir a legitimidade dos mesmos.

Na visão desses indivíduos, a população ouvida (amostras estatísticas sempre superiores a

1.000 habitantes e com margem de erro inferior a 3%) não sabe de nada, muito menos quais são suas próprias opiniões a respeito das prioridades dos governos que elas elegem a cada eleição. Esse tipo de vestígio paternalista e totalitário nos faz perceber que a divulgação da Agenda 2020 precisa continuar.

Claudio Sales é presidente do Instituto Acende Brasil, entidade que promove a transparência e a sustentabilidade no setor elétrico brasileiro

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