Para que algo de concreto aconteça nas políticas climáticas no Brasil
19/Dez/2019, Correio Braziliense
25º Conferência do Clima da ONU, encerrada em 13 de dezembro, em Madh ni, marcou mais um capítulo do esforço global pela redução das emissões de gases do efeito estufa. Ao longo de duas semanas, Os países apresentaram à comunidade internacional suas estratégias para lidar com as mudanças climáticas, os avanços alcançados e os desafios que ainda devem ser superados.
Em eventos como esses, os holofotes se voltam para países como a China, Estados Unidos, Índia, Indonésia, Rússia e Brasil, principais emissores globais, nessa ordem, de gases do efeito estufa. Mas nem todos sabem que o Brasil se destaca positivamente nesse grupo quando se olha para o perfil das emissões no setor elétrico: diferentemente dos seus pares, que dependem de combustíveis fósseis para gerar a maior parte da sua eletricidade, o setor elétrico brasileiro não apresenta alta intensidade em carbono.
De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), as emissões totais de gases de efeito estufa brasileiras se mantiveram estáveis nos últimos 10 anos, pouco se distanciando da média de 2 bilhões de toneladas anuais. Em 2018, as atividades “ mudanças no uso do solo ” — cujo conceito engloba o desmatamento — e “ agropecuária ” foram as que mais contribuíram para as emissões do país (44% e 25%, respectivamente, das emissões totais).
Já o setor de energia respondeu por 21% das emissões brasileiras. No entanto, esse setor é composto por diferentes atividades, englobando a energia consumida nos transportes (10,3% das emissões totais do país), nas indústrias (3,4%), na produção de combustíveis (3,2%), entre outras. A geração de eletricidade também pertence ao setor de energia e suas emissões, após três anos de queda, respondem por 1,9% das emissões. Para efeito de comparação, nos três maiores emissores globais (China, Estados Unidos e Índia), a participação da geração elétrica nas emissões totais supera 25%.
A baixa intensidade em carbono da matriz elétrica brasileira se deve principalmente ao parque de usinas hidrelétricas e termelétricas movidas a biomassa, que fornecem três quartos de toda a eletricidade consumida no país. Nos últimos anos, o crescimento das fontes eólica e, em menor grau, solar, também tem contribuído para manter baixa a utilização de combustíveis fósseis para a geração de eletricidade.
As ambições climáticas brasileiras só serão adequadamente satisfeitas por meio de estratégias que guardem relação direta com o nosso perfil de emissões. Portanto, são inoportunos os discursos pré-fabricados e originários de regiões com realidades distintas da nossa, que desviam a atenção dos grandes emissores para impor políticas públicas, no setor elétrico, que atendem a interesses muito específicos de grupos de pressão que atuam no Brasil. Já está na hora de o setor elétrico, que se posiciona como um dos maiores emissores em outros países, receber tratamento diferente em nossas terras.
Tal tratamento diferenciado não implica eximir o setor das responsabilidades, mas reconhecer que nossos investimentos em fontes renováveis de geração resultaram em uma matriz elétrica limpa. Há de se reconhecer, adicionalmente, que o setor não está parado: os desafios para manter baixa a emissão de gases de efeito estufa da matriz elétrica brasileira demandarão massivos investimentos e soluções de alta complexidade. Exemplo disso é a crescente necessidade de integração entre fontes renováveis variáveis — como a eólica e a solar — e as fontes hidrelétrica e termelétrica.
Soluções baseadas em diagnósticos incorretos não levam a resultados eficientes. Ao definirem o setor elétrico como alvo prioritário, grupos que defendem políticas climáticas mais restritas parecem ignorar o fato de que seus esforços de advocacia surtiriam efeitos mais contundentes e eficazes se fossem direcionados para os setores que mais emitem gases de efeito estufa no Brasil. Esses grupos deveriam repensar as prioridades e mensagens para o Brasil se quiserem que algo de concreto e bom aconteça nas políticas climáticas em nosso país.
Claudio J. D. Sales e Alexandre Uhlig
Do Instituto Acende Brasil