Patriotismo com dinheiro alheio
A privatização interrompida do setor elétrico gerou um quadro de “meio caminho andado” onde 28% da geração e 66% da distribuição de eletricidade é gerenciada pela iniciativa privada. A Eletrobrás responde por 50% da geração e concorre nos leilões de energia com outras estatais e com agentes privados. No leilão de dezembro passado, 69% da energia foi vendida por estatais. Petrobras e Eletrobrás, sozinhas, responderam por 60% e as demais estatais estaduais pelos 9% restantes. Depois do evento, três analistas de bancos que cobrem o setor recomendaram a venda das ações da Eletrobrás. Na visão deles, os projetos assumidos pela estatal – e descartados pela iniciativa privada – embutem taxas de retorno muito baixas e revelam governança corporativa discutível.
Recentemente, o presidente da Eletrobrás justificou como “coragem patriótica” a decisão tomada em dezembro passado de investir na usina hidrelétrica de Simplício com uma taxa de retorno abaixo do aceitável pelo mercado.
Falar em “coragem” e “patriotismo” para explicar a assunção, por estatais, de projetos com retorno negativo ou inferior ao custo de capital demonstra falta de compromisso com o dinheiro público. Enquanto o mercado avalia economicamente seus projetos olhando a Taxa Interna de Retorno, as estatais parecem ter criado a “Taxa Patriótica de Retorno” para abonar suas decisões. Será que os administradores das estatais investiriam do mesmo modo se o dinheiro saísse do bolso deles?
Qual o objetivo da Eletrobrás?
Há três respostas possíveis: 1) entregar a seus acionistas majoritários (o governo, portanto, todos contribuintes brasileiros) e minoritários (que compraram suas ações na Bolsa) resultados compatíveis com uma empresa séria e sustentável no longo prazo; 2) aumentar sua participação de mercado a qualquer custo e administrar os bilhões envolvidos nos projetos de expansão; 3) funcionar como ferramenta política do governo de plantão.
As duas últimas hipóteses dão a base conceitual para justificar investimentos em projetos chamados de “estratégicos” ou “estruturantes”. Combinadas com o argumento do “patriotismo” formam o quadro perfeito para a execução de projetos inviáveis do ponto de vista econômico ou ainda não competitivos. Foi o que aconteceu no último leilão e o que nos ameaça para o futuro. O Brasil requer R$ 20 bilhões anuais em investimentos para sustentar um crescimento econômico de 3,5 a 4,0%. Desse total, R$ 13 bilhões deveriam ser alocados à construção de novas usinas, R$ 3 bilhões para novas linhas de transmissão e R$ 4 bilhões para a constante expansão da rede de distribuição.
De 1998 a 2003, a Eletrobrás investiu uma média anual de R$ 2,9 bilhões em geração e transmissão. No início de 2004, anunciou que investiria R$ 4,3 bilhões. Investiu R$ 2,8 bilhões, 35% menos do que o valor declarado. Em 2005, anunciou a cifra de R$ 4,6 bilhões e investiu R$ 3,5 bilhões, ou 24% a menos.
Os 15 maiores investidores privados, além dos R$ 101 bilhões aportados ao Estado nas aquisições de empresas de 1995 a 2000, já investiram R$ 34 bilhões na expansão da distribuição e geração de energia na fase pós-privatização. Em 2005 aportaram R$ 5,9 bilhões, sendo R$ 1,7 bilhão em geração e R$ 4,2 bilhões em distribuição.
A maior parte dos investimentos privados do ano passado foi feita para cumprir os contratos de concessão, na distribuição, e para concluir investimentos em geração de usinas iniciadas com base nas regras do modelo anterior.
Os números mostram que o Estado, apoiado em suas estatais, não tem recursos suficientes para arcar com os investimentos necessários. Mesmo que a Eletrobrás invista os R$ 5,2 bilhões previstos para 2006, a iniciativa privada terá de ser atraída para completar os R$ 10 bilhões necessários à expansão de geração e transmissão.
Hoje, os agentes privados estão à frente da Eletrobrás. Já investem mais que a estatal na expansão do setor, respeitando a racionalidade econômica. Esta é a nossa contribuição para a Pátria.
Claudio Sales é presidente do Instituto Acende Brasil