Reta final para a solução da crise hidrelétrica
As próximas semanas serão muito relevantes para a resolução da “crise do GSF”, um problema que assombra o setor elétrico há anos. É preciso um pouco de contexto para entender a natureza do problema. A energia hidrelétrica, que representa dois terços da energia consumida no Brasil, é comercializada em regime concorrencial por agentes independentes em contratos de longo prazo.
Cada agente responde pela construção, operação e manutenção de suas usinas, mas seu acionamento é feito de forma centralizada por um agente de Estado, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
De acordo com as regras do setor, a energia total produzida pelas hidrelétricas é alocada entre seus proprietários na proporção da chamada “garantia física” das suas usinas, sendo a garantia física uma estimativa da quantidade de energia que as usinas podem produzir de forma confiável no longo prazo. O fator que expressa o ajuste mensal da produção hidrelétrica é o GSF (Generation Scaling Factor).
Eventuais diferenças entre a quantidade de energia alocada a cada gerador em dado mês e a quantidade por ele vendida em contratos são liquidadas no mercado de curto prazo ao chamado “preço de liquidação de diferenças” (PLD).
Esse arranjo foi adotado para otimizar a operação integrada e, embora o acionamento das usinas seja centralizado, os resultados da liquidação das posições são arcados individualmente pelos geradores.
Como os geradores não têm autonomia sobre quando e quanto suas usinas são postas para gerar, nem sobre os preços de liquidação, a comercialização da energia precisa ser pautada pelas expectativas sobre como o sistema será operado. Logo, a sustentabilidade desse arranjo requer previsibilidade.
Essa previsibilidade é implicitamente pactuada nos “procedimentos de rede” que regem como será a atuação do ONS por meio dos programas computacionais oficiais que balizam, entre outras normas do setor, as ordens de acionamento das usinas e o PLD.
A “crise do GSF” surgiu quando se alteraram aspectos implicitamente pactuados quando os contratos foram assinados e as decisões de investimento foram tomadas: a política operativa, os critérios de garantia de suprimento, os critérios de atribuição de garantia física e outras decisões da administração pública.
Nos últimos anos tais mudanças provocaram perdas bilionárias aos geradores hidrelétricos de forma incabível e insustentável, levando-os a recorrer ao Judiciário para reaverem parte das perdas que lhes foram imputadas por fatores exógenos ao seu negócio.
O Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do ministro João Otávio de Noronha, apreciará o tema no dia 19 de fevereiro, mas não é de esperar decisão definitiva do mérito da questão nessa ocasião. Em paralelo, os parlamentares buscam uma solução e a boa notícia é que encontraram uma alternativa que mitiga o problema sem alterar as tarifas dos consumidores. A solução para o GSF foi concebida e aprovada no Senado (PLS 209/2015) e depois também foi aprovada na Câmara com uma emenda sobre outro assunto, razão pela qual retornou ao Senado (PL 3.975/2019).
Tal solução consiste na separação dos fatores não hidrológicos que agravaram o GSF nos últimos anos e que podem ser claramente isolados e quantificados. Os riscos hidrológicos continuam a ser assumidos pelos geradores, mas a parcela do GSF derivada de medidas administrativas totalmente fora do controle dos geradores seria compensada pela extensão dos contratos de concessão e sem impacto tarifário.
O projeto de lei está pronto para apreciação com relatório favorável à sua aprovação e restabelece um dos princípios mais importantes do regime jurídico brasileiro: o da preservação do equilíbrio econômico-financeiro. E, acima de tudo, confirma a segurança jurídica que o setor elétrico requer para tornar viáveis os investimentos bilionários que sustentarão o crescimento econômico nacional.