Taxar o sol ou os mais pobres?

Data da publicação: 17/01/2020

A geração solar não deve ser taxada, mas, ao contrário do que alguns andam dizendo, não é disso que se trata. A energia elétrica é demasiadamente onerada por tributos e encargos (50% da tarifa) e taxar a geração solar — seja na forma centralizada (grandes parques solares), seja na forma de Geração Distribuída (placas solares instaladas pelos próprios consumidores) — seria um contrassenso, porque essa fonte é atraente ambiental e economicamente.

Além disso, a geração solar é especialmente propícia para a geração distribuída, pois sua instalação e operação são simples, a tecnologia é modular (podendo ser dimensionada de acordo com as necessidades do cliente) ea manutenção requerida é mínima. Assim, pode-se produzir energia nos centros de consumo reduzindo a necessidade de investimentos nas redes de transmissão e distribuição e diminuindo as perdas no transporte da energia.

Mas a geração solar tem uma característica desafiadora: sua produção é determinada pela incidência do Sol, resultando na produção superior às necessidades do consumidor em determinados momentos do dia e insuficiente em outros. Portanto, a compatibilização da geração solar ao consumo exige a instalação de um custoso sistema de baterias, o que inviabilizaria esta alternativa.

Foi para superar essa barreira que a Aneel introduziu o Sistema de Compensação de Energia no ano de 2012 (Resolução 482). Essa regulamentação previa que o excedente produzido pelas placas solares do consumidor, em um dado momento, fosse recebido pela distribuidora (para ser destinado a outros consumidores) e compensado, sem custo adicional, por energia fornecida pela distribuidora em outros momentos, quando sua autoprodução é insuficiente.

Em uma análise superficial, o sistema acima parece simples e justo, pois seria uma mera permuta de energia. Mas as aparências, pois o Sistema de Compensação de Energia embute vários subsídios implícitos — pagos pelos consumidores que não têm placas solares — que beneficiam consumidores com placas solares.

Em primeiro lugar, a energia gerada e não usada pelos consumidores com placas é injetada na rede da distribuidora, mas não tem o mesmo valor que a energia que eles recebem nos horários de maior demanda. O valor para os consumidores e o custo de fornecer energia nos diferentes horários são bem diferentes.

Em segundo lugar, a tarifa de energia não cobre apenas os custos de geração de energia: nossa conta de luz também cobre os custos de transmissão, de distribuição, de encargos — o que geralmente é esquecido — o custo da confiabilidade do fornecimento. Para ser justa, a compensação deveria ocorrer somente sobre a parcela que cobre os custos de geração da energia, e não compensar a tarifa completa, como acontece no sistema atual. Foi com esses subsídios implícitos que a geração solar distribuída decolou — foram instalados cerca de 1.700 megawatts de Geração Distribuída no Brasil, e novas instalações surgem em ritmo exponencial.

E por isso que faz sentido reduzir os subsídios do Sistema de Compensação de Energia. Essa é a proposta que está sendo debatida na Aneel, mas que vem sendo repercutida de forma enganosa em outras arenas, quando a redução de um subsídio é maliciosamente apresentada como a criação de uma taxa. O sol nunca foi nem se propõe que seja taxado.

Não se deseja barrar o crescimento da geração distribuída, muito menos da geração solar, que está entre as fontes mais competitivas. Busca-se apenas reduzir os incentivos custosos para novas instalações, assegurando a expansão da geração solar distribuída em bases mais sustentáveis. Se continuar do modo que está, os consumidores sem placas solares pagarão 55 bilhões de reais a mais na tarifa de energia entre 2020 e 2035, o que não faz o menor sentido. Digamos “sim” para a geração solar distribuída, mas sem “taxar” nem o Sol nem os demais consumidores – a começar pelos mais pobres – que não têm condições de instalar a geração solar.

CLAUDIO J.D. SALES
RICHARD L. HOCHSTETLER
Integrantes do Instituto Acende Brasil

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