Taxar o sol ou subsidiar grupos de interesse?
A guerrilha de comunicação movida por interessados na manutenção dos benefícios tarifários para a geração distribuída de eletricidade tem adotado métodos pouco ortodoxos, como caravanas de ônibus para Brasília e bullying contra técnicos respeitados. Conseguiram, nestes movimentos agressivos, colher até uma infeliz frase do presidente da República, que disse que seria um deboche “taxar o sol”.
Toda a campanha é voltada contra a iniciativa da Aneel, agência reguladora do setor elétrico, que busca a diminuição parcial e gradual dos subsídios tarifários que beneficiam a chamada “geração distribuída”, aquela energia gerada pelos próprios usuários e cuja fonte é hoje predominantemente solar fotovoltaica. O regulador, preocupado com o peso dos subsídios na conta de luz, abriu em 17 de outubro a Consulta Pública (CP) 25/2019, a ser encerrada em 30 de novembro.
O objetivo desta consulta pública é rever uma regra da Resolução Normativa (REN) 482 da Aneel, em vigor desde 2012, que permite que a energia gerada por unidades de geração distribuída, mas não consumida, seja devolvida para a rede elétrica sem pagar pelo uso da rede.
A Aneel propôs que essa regra, que tem o efeito de um subsídio em benefício da geração distribuída, tenha uma transição suave: ela será mantida até 2030 para unidades já instaladas, e novas unidades terão um subsídio menor, que será encerrado quando a potência instalada adicional atingir certo patamar.
A proposta da Aneel é diminuir um subsídio cruzado que transfere renda de todos os consumidores para o segmento de investidores que instalam geração distribuída. Como a manutenção das redes das 63 distribuidoras nacionais é custeada por meio da tarifa de eletricidade na forma de um rateio entre todos os consumidores, a diferença não paga pelos consumidores com geração distribuída é coberta cobrando-se mais dos consumidores sem geração distribuída.
Segundo estudo do Ministério da Economia, se este subsídio for mantido, ele totalizará R$ 56 bilhões entre 2020 e 2035, ou R$ 34 bilhões em valores atuais, o suficiente para “construir 9 mil creches”.
A campanha “em defesa da geração distribuída solar fotovoltaica” é baseada em três pilares: 1) nunca mencionar que se trata de um subsídio que beneficia alguns, mas prejudica os demais consumidores; 2) vitimizar uma fonte de energia e criar falsos inimigos, a começar pelas distribuidoras; e 3) buscar aliados políticos que acham que estão ajudando uma fonte de energia, mas estão sendo induzidos ao erro e encarecendo a conta de luz de seus eleitores mais pobres.
Por um lado, a complexidade do tema torna difícil para o cidadão comum – e até para nossos parlamentares em Brasília – formarem sua opinião. Afinal, a Nota Técnica da Aneel que embasa a CP 25/2019 tem 64 páginas, que incluem a minuciosa análise de 272 contribuições enviadas por dezenas de agentes.
Por outro lado, a decisão técnica a ser tomada pelo regulador é bem simples: por mais quanto tempo, e com qual intensidade, o cidadão comum continuará a pagar uma tarifa mais cara para manter os benefícios de um segmento?
A geração distribuída, seja ela solar ou de outra fonte, está indo muito bem e, parafraseando a frase de efeito do segmento, “pode crescer à vontade”. Só não vale passar a conta para a sociedade.
É por isso que chegou a hora de esta modalidade caminhar com as próprias pernas, sem que os consumidores que não têm recursos para investir em geração distribuída tenham de subsidiar os investidores que querem manter seus benefícios por mais tempo.
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são, respectivamente, Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil.