Um plano arriscado
O Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica é um documento encomendado pelo Ministério de Minas e Energia que custou R$1,189 milhão e foi preparado pela Empresa de Pesquisa Energética, instituição recém-criada, mantida com recursos da tarifa de eletricidade paga pelos consumidores brasileiros, e que já emprega quase 200 pessoas. O objetivo do plano é estudar cenários e definir a lista de projetos candidatos ao atendimento do crescimento da demanda por energia.
O governo, no documento, explicita suas pesadas apostas em grandes obras “estruturantes”: Rio Madeira, Belo Monte e Angra III. Os três complexos respondem por um terço da capacidade adicional planejada até 2015. As usinas do Rio Madeira, sozinhas, perfazem 19% de todos os investimentos previstos.
Um planejador prudente não alocaria tantos riscos em tão poucos empreendimentos, em especial se considerarmos o histórico de atrasos e estouro de orçamentos nos projetos estatais do setor elétrico.
A Eletrobras – controladora das estatais Chesf, Eletronorte, Furnas e Eletronuclear – vem assumindo compromissos que estressam sua capacidade financeira: além da assunção da construção de novas usinas, tem adquirido participação acionária em usinas já construídas.
O Plano Decenal assume, por exemplo, que as duas usinas do Rio Madeira (Jirau, com
3.330 MW, e Santo Antonio, com 3.100 MW de potência instalada) iniciam suas operações até 2012. Analistas questionam este prazo, tendo em vista o porte das usinas, sua localização e a distância em relação aos centros de consumo.
Belo Monte, com 5.500 MW, e sérias pendências ambientais, levaria pelo menos sete anos para ser construída, mas sua entrada em operação está prevista para 2014. Deveria ser leiloada, portanto, no ano que vem, o que é improvável, já que somente a operação de financiamento de um projeto dessa magnitude envolve anos e requer um consórcio com vários bancos.
Angra III, com 1.309 MW, operaria a partir de 2012. Como a obra levará pelo menos seis anos, de acordo com a própria Eletronuclear (estatal que toca o projeto), a obra deve ser iniciada no início de 2007.
O Plano Decenal precisa expandir seus horizontes com a oferta de cenários alternativos que não coloquem a sociedade como refém destas grandes obras. Projetos menores embutem menor risco, oferecem mais previsibilidade econômica, são mais bem acolhidos pelos financiadores e têm mais chances de sucesso.
As limitações ambientais, operacionais e financeiras precisam ser consideradas e as datas para entrada em operação dos megaprojetos devem ser revistas.
Se essa correção de rumo não for feita no Plano Decenal, estaremos adotando uma “Estratégia Bala de Prata” para o setor elétrico brasileiro: se qualquer um dos três grandes complexos (todos com forte participação estatal) não se viabilizar ou sofrer atrasos, a sociedade ficará sem energia.
Há uma lista de 23 projetos de menor porte (variam de 33 a 1.087 MW instalados de potência) que somam 5.300 MW e não evoluem por problemas ambientais e regulatórios. Dependem de vontade política.
Se uma parcela do enorme esforço político, hoje concentrado na antecipação dos grandes projetos, fosse dedicada à remoção dos obstáculos dos 23 projetos menores, todos ganhariam: governo, iniciativa privada e consumidores.
Todas essas preocupações e recomendações foram encaminhadas formalmente ao Ministério de Minas e Energia, que submeteu o Plano Decenal a uma consulta pública entre os dias 17 de março e 28 de abril.
Para nossa surpresa, no dia 31 de maio o Ministério de Minas e Energia publicou uma portaria “aprovando” o referido plano exatamente como foi apresentado antes da consulta pública.
Não se sabe quem contribuiu, quantas contribuições foram recebidas e, principalmente, o que foi feito com elas. Tudo indica que nada.
Fica a pergunta: se nada foi modificado e se as contribuições enviadas não foram transparentemente comunicadas, a consulta pública serviu a qual propósito?
Os especialistas que se dedicaram à elaboração e ao envio das contribuições se sentem desrespeitados. O governo federal acaba de perder uma chance. Porque não há democracia sem transparência.
CLAUDIO J. D. SALES é presidente do Instituto Acende Brasil. E-mail: