Decreto de apoio ao setor elétrico ainda traz riscos às distribuidoras

Data da publicação: 20/05/2020

O decreto publicado esta semana e que traz diretrizes para o empréstimo de socorro ao setor elétrico ainda gera riscos para o segmento de distribuição. A expectativa é que parte das incertezas sejam eliminadas ainda nesta semana por uma regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No entanto, o Valor apurou que, enquanto não houver uma definição do montante total que será disponibilizado ao setor e qual tratamento será dado para o problema econômico das distribuidoras, as companhias ainda terão dúvidas se vão aderir à medida.

Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e os ministros Paulo Guedes (Economia) e Bento Albuquerque (Minas e Energia), o decreto confirmou as linhas gerais que haviam sido discutidas previamente com o mercado. O texto determina que, para ter acesso ao empréstimo – chamado de “Conta Covid” -, a distribuidora terá que se comprometer a não reduzir seus contratos de compra de energia; limitar o pagamento de dividendos ao mínimo legal em caso de inadimplemento intrassetorial; e renunciar ao direito de discussão em âmbito judicial ou arbitral em relação a esses temas anteriores.

De acordo com o decreto, o empréstimo será tomado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) com um sindicato de bancos organizado pelo BNDES. Os recursos serão injetados no caixa das distribuidoras que aderirem à medida para manter o fluxo de pagamentos do setor. E o empréstimo será pago pelo consumidor de energia via tarifa.

O maior problema para as distribuidoras, porém, ainda é saber de quanto será o empréstimo. Até ontem esse valor não havia sido definido pelo governo. Nos bastidores, comenta-se que a cifra será menor que os R$ 17 bilhões imaginados inicialmente. Na semana passada, a secretaria-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marisete Pereira, afirmou que o valor não será menor que R$ 10 bilhões.

Para uma fonte do setor, é difícil para as distribuidoras, que possuem compromissos financeiros com bancos e rígidas regras de governança, abrirem mão em caráter irrevogável e irretratável de judicialização futura sem saber de quanto será o valor disponibilizado para o empréstimo.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, é necessário que o total de recursos disponibilizados para o empréstimo seja suficiente para cobrir a redução de mercado das distribuidoras de 18% e o aumento da inadimplência para 10%. “Não há interesse das distribuidoras em ficar inadimplentes na cadeia”, disse.

Na visão do BTG Pactual, o decreto tem pontos positivos para as distribuidoras, mas ainda precisa de mais detalhamento para que o real impacto da medida no setor seja melhor estimado. Na mesma linha, a XP Investimentos entende que o decreto não muda a visão cautelosa da casa de análise com relação ao segmento de distribuição, que deve ser prejudicado por tendências como queda de demanda, aumento de inadimplência e furtos de energia.

Já a Moody’s diz que o decreto é fundamental para as empresas do setor. A agência de classificação de riscos calcula que a pandemia vai reduzir em até R$ 16 bilhões a geração de caixa das 41 distribuidoras do país no segundo trimestre.

Na Aneel, a expectativa é que a diretoria se reúna de forma extraordinária ainda nesta semana para regulamentar pontos definidos no decreto. Sorteada como relatora do processo na agência, a diretora Elisa Bastos tem reunião prevista com o ministro Bento Albuquerque hoje.

Segundo o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, o decreto foi bem recebido por ser um avanço, mas há dois pontos ainda incertos, e que ele entende que devem ser regulamentados pela Aneel, que são o condicionamento da renúncia judicial ao montante que de fato será disponibilizado e a definição dos critérios e metodologias para revisão tarifária extraordinária (RTE), se e quando ela tiver que ser feita. Na visão dele, um processo de RTE normal tem duração de meses, o que pode ser insustentável para a distribuidora.

“Se não houver evolução no que está exposto nesse texto [decreto], é possível considerar um cenário em que uma ou outra distribuidoras decidam não aderir”, disse.

O presidente do conselho federal da OAB, Gustavo de Marchi, considerou positivo o fato de o decreto assegurar em artigo a possibilidade de solicitação fundamentada de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, em processo a ser avaliado pela Aneel.

Na visão de Ana Karina Souza, sócia de infraestrutura do Machado Meyer, o decreto está bem estruturado, mas ainda sujeito à regulamentação da Aneel. Segundo Raphael Gomes, sócio da área de Energia e Recursos Naturais do escritório Demarest, o decreto afasta a insegurança jurídica e a instabilidade regulatória que rondava os contratos de energia no ambiente regulado.

Livia Amorim, especialista em energia do escritório Souto Correa Advogados, destaca que o apoio é importante para dar sustentabilidade ao setor. “A tarifa de energia elétrica já sofre pressões históricas pela crença de que o consumidor não reage a preço e, com isso foram sendo empilhados custos regressivos diversos na tarifa. No entanto, neste momento, é necessária uma medida para garantir a sustentabilidade financeira do setor. Com isso, o valor do empréstimo tem que ser do tamanho suficiente para garantir a segurança jurídica e o respeito aos contratos, pois como a experiência de 2014 demonstra, faltar energia também custa muito caro”.

Na opinião do advogado especialista em energia André Edelstein, do escritório Edelstein Advogados, o decreto busca reduzir a litigiosidade no setor, devido à previsão de obrigação de renúncia ao direito das distribuidoras de pleitearem a suspensão ou redução dos contratos de compra e venda de energia em razão da diminuição do consumo verificado até dezembro de 2020. Outro ponto que demanda atenção, para ele, é que, de acordo com o decreto, a definição dos valores a serem alocados na “Conta Covid” levará em conta os diferimentos e parcelamentos concedidos na cobrança da demanda contratada dos consumidores de alta tensão, “conforme regulação da Aneel”.

O diferimento dessa cobrança foi tema de discussão ontem pela diretoria da Aneel, que determinou que as distribuidoras promovam a livre negociação com os consumidores de alta tensão.

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