Discussão sobre reequilíbrio atrasa ‘Conta Covid’
O pedido das distribuidoras de energia relacionado a reequilíbrio econômico-financeiro por causa da pandemia tomou o centro das discussões sobre a “Conta Covid”, empréstimo bilionário destinado ao setor elétrico. Para especialistas, a questão gerou uma controvérsia desnecessária e acabou atrasando a deliberação sobre a operação financeira num momento em que a situação de liquidez das distribuidoras complica a cada dia.
Prestes a fechar os balanços do segundo trimestre, as distribuidoras pediram à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) uma autorização para fazer o registro contábil de ativos financeiros gerados pela pandemia. A ideia é se proteger de uma eventual violação de cláusulas restritivas (“covenants”) em contratos de financiamento e debêntures, que, se ocorresse, poderia levar ao vencimento antecipado de suas dívidas. De acordo com as empresas, esse mecanismo evita o surgimento de uma crise financeira e é importante para que elas decidam assinar os contratos do empréstimo.
A proposta foi discutida na segunda-feira, em reunião extraordinária da Aneel para deliberar sobre a regulamentação da “Conta Covid”. A relatora do processo, Elisa Bastos, acatou parcialmente a sugestão das distribuidoras, mas o tema causou divergência entre os diretores. A reunião, que se estendeu pela madrugada, terminou sem uma decisão final sobre o empréstimo: o diretor Efrain Cruz pediu vista do processo e propôs que uma nova reunião extraordinária fosse convocada para sexta-feira.
Raphael Gomes, sócio de Energia do escritório Demarest, avalia que o tema do reequilíbrio das concessões não deveria estar inserido nas discussões do empréstimo. “Entendo a urgência e a ansiedade das distribuidoras, é legítimo. Porém, vimos que, em vez de virarmos a página da ‘Conta Covid’, começou a se discutir ativo regulatório”.
Embora a Aneel já tenha dito que tratará num segundo momento dos eventuais desequilíbrios gerados pela pandemia às concessões, alguns diretores mostraram desconforto com a possibilidade de um aval para que as empresas reconheçam ativos antes de que isso tenha passado pela análise da agência.
Mesmo que permitida, a contabilização desses ativos relacionados à pandemia não representaria uma solução definitiva para o risco de quebra dos “covenants”, afirma Gabriel Francisco, da XP Investimentos. Para o analista, o mecanismo proposto é frágil: como a Aneel não é obrigada a reconhecer os valores declarados pelas empresas como ativos regulatórios numa eventual revisão tarifária, as empresas podem ter que realizar baixas contábeis no futuro. “Tenho dúvidas se realmente é uma solução, você transfere o risco de quebra do covenant lá para a frente.”
Para Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, as discussões perderam de vista os dois objetivos principais da “Conta Covid”: garantir liquidez ao setor elétrico e minimizar os impactos aos consumidores. “Se esse pano de fundo estivesse muito claro o tempo todo, o debate não teria caminhado o de maneira tão divergente”. Para ele, encarar a questão do reequilíbrio das distribuidoras desde o início tende a facilitar e proteger o setor de eventuais problemas que possam surgir no futuro.