A forma altera o resultado da desestatização da Eletrobras
01/Abr/2021, Valor Econômico
Em fevereiro, o governo emitiu nova Medida Provisória (MP 1.031) estabelecendo os termos para a desestatização da Eletrobras. A MP incorpora lições do passado, mas há aspectos que ainda requerem reflexão dos parlamentares.
A experiência brasileira demonstra que empresas privadas tendem a ser mais eficientes, mais ágeis e mais focadas do que estatais. Em 2019, a Aneel realizou uma “Avaliação de Resultado Regulatório” dos 20 anos de Regulação por Incentivos (Consulta Pública 03/2019) em que concluiu que “as empresas privadas respondem de forma mais acentuada aos incentivos econômicos do que as empresas públicas”.
O pior desempenho das estatais decorre dos seguintes fatores: (1) a sua função social não é tão bem definida, tipicamente perseguindo múltiplos objetivos, muitos dos quais ambíguos ou mesmo conflitantes entre si; (2) o seu acionista principal, o Estado, é menos sensível aos resultados econômico-financeiros da empresa por contar com o poder de tributação, o que reduz o poder dos incentivos regulatórios estabelecidos pelo regulador; e (3) em prol da lisura e transparência, as estatais precisam atender a mais amarras burocráticas, o que diminui sua eficiência competitiva.
A MPV 1.031 prevê a realização da desestatização por meio: (1) de um aumento de capital do qual a União não participaria, o que resultaria na diluição de sua participação acionária; e (2) da venda de ações de propriedade, direta ou indireta, da União em oferta pública secundária. Com isto a União deixaria de ter participação majoritária, exceto na Itaipu Binacional e na Eletronuclear, que seriam segregadas em estatais independentes da Eletrobras.
A MPV ainda propõe que o estatuto social da Eletrobras seria modificado para incluir cláusulas vedando que qualquer acionista detenha mais de 10% do poder de voto na empresa; e dando poder de veto à União em eventuais mudanças no estatuto social. O objetivo seria criar uma empresa de capital pulverizado.
A privatização da Eletrobras tende a ser boa para o país e para os consumidores de energia elétrica, mas requer alguns cuidados: (1) evitar a introdução de obrigações que elevarão o custo da energia elétrica; (2) promover uma estrutura de mercado concorrencial; (3) e revisar o lastro de suas usinas antes da emissão de novas outorgas de concessão. O último cuidado, apesar de sua natureza “técnica”, não pode ser ignorado pelos congressistas sob o risco de perpetuar distorções históricas.
Quanto à primeira questão, os parlamentares devem evitar a assunção de obrigações que elevam o custo da energia elétrica. Além do pagamento de bonificação de outorga da ordem de R$ 25,5 bilhões à União, a MPV 1.031 estabelece que a Eletrobras deve assumir obrigações da ordem de R$ 8,8 bilhões nos próximos dez anos para financiar fundos que beneficiam a bacia do São Francisco, a “área de influência” de Furnas e a Amazônia Legal, mas é totalmente omissa quanto à gestão e ao escrutínio destes fundos, que poderiam se tornar alvos fáceis de usos políticos danosos para o país. Melhor seria que todo o valor adicionado pelos novos contratos fosse usado para reduzir o encargo Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), embutido na conta de luz, beneficiando os consumidores com tarifas menores.
A segunda questão refere-se à promoção de um ambiente concorrencial. A desestatização é uma oportunidade única para reduzir a concentração no setor elétrico. A Eletrobras é o maior agente do setor, com participação na geração hidrelétrica ainda maior, e com participação majoritária na capacidade de armazenamento dos reservatórios hidrelétricos.
Cabe lembrar que há um processo de modernização em curso no setor elétrico que visa à liberalização do mercado e à melhor alocação de custos e riscos entre os agentes. Neste aspecto, a MPV dá um passo importante ao propor a alteração do regime de exploração para “produção independente” (no qual o gerador assume o risco hidrológico) em vez do atual “regime de cotas” (no qual este risco é repassado ao consumidor). A modernização do setor também prevê a possibilidade de adoção de operação baseada em lances de oferta dos agentes, na qual os geradores de energia passariam a ter mais autonomia sobre a sua produção por meio de lances que seriam submetidos diariamente no Mercado de Curto Prazo.
Mas para que estas reformas obtenham o resultado desejado é importante que haja baixa concentração de mercado. A dominância da Eletrobras, principalmente em hidrelétricas com grandes reservatórios, é questão preocupante.
Uma alternativa cogitada para reduzir o risco de poder de mercado seria a desestatização da empresa em partes, mas esta possibilidade deixa de ser realista devido a dificuldades como: a viabilização política de vários processos separados (Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul), com suas idiossincrasias e pressões locais; a complexidade contábil da operação, já que apenas a Eletrobras está listada em bolsa; e, por fim, a extensão e incerteza dos prazos requeridos.
No entanto, a fim de minimizar os riscos de poder de mercado de uma empresa do porte da futura Eletrobras – que passará a atuar com padrões de eficiência de empresas privadas -, é crucial que o governo sinalize com a maior antecedência possível quais serão os mecanismos empregados e as autoridades e instituições responsáveis para a preservação do ambiente concorrencial.
Quanto à terceira questão, a lei deve prever a revisão da chamada Garantia Física das usinas antes da concessão de novas outorgas para a Eletrobras. Essa revisão é de suma importância para dar realismo ao montante de energia – atualmente superestimado – que pode ser gerado por tais usinas com a confiabilidade requerida.
Aos poucos a sociedade brasileira vai percebendo que o controle estatal de empresas não é sinônimo de interesse público. E se os cuidados acima forem tomados, a nova Eletrobras passará a servir a todos os brasileiros, e não apenas a alguns grupos de interesse.
A Eletrobras tem grande potencial e já está na hora de libertá-la das amarras estatais.
Claudio J. D. Sales, Eduardo Müller Monteiro e Richard Hochstetler são, respectivamente, Presidente, Diretor Executivo e Diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios, do Instituto Acende Brasil.