A transição energética e os ‘serviços ancilares’
A transição energética para fontes renováveis e não emissoras de gases efeito estufa avança em ritmo acelerado aqui e no mundo afora.
O Brasil já começou em posição avançada graças à sua grande participação de geração hidrelétrica e termelétrica a biomassa na nossa matriz elétrica, mas as fontes que tendem a ocupar mais espaço nos próximos anos são a eólica e solar. Essa tendência se deve principalmente à redução dos custos destas fontes, que hoje produzem os quilowatts-hora de energia elétrica mais baratos. Mas há um grande ‘porém’ relacionado à geração eólica e solar: a produção dessas fontes não é controlável pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e varia ao longo do tempo de forma não concatenada com o consumo, além de apresentar variações aleatórias. Diante desta variabilidade, a geração eólica e solar precisa ser suplementada por outras fontes e tecnologias para prover um fornecimento regular e confiável de energia elétrica. Parte deste balanceamento pode ser atendido com a contratação de energia, mas para a parcela aleatória é preciso haver recursos em estado de prontidão para responder às necessidades do sistema. Estes serviços são denominados ‘serviços ancilares’. Os serviços ancilares podem ser agrupados em três categorias: (i) controle de frequência, (ii) controle de tensão e (iii) serviços emergenciais. O controle de frequência trata do ajuste fino do balanceamento de potência a partir de fontes com capacidade de resposta em questão de minutos a milissegundos. Já o controle de tensão é o que assegura que a voltagem elétrica permaneça dentro de limites adequados para não danificar os equipamentos elétricos. Por fim, os serviços emergenciais abrangem: (i) os ‘serviços de autorrestabelecimento’ para a recomposição do suprimento de energia após ocorrência de desligamento do sistema; e (ii) os Serviços Especiais de Proteção (SEP), que incluem esquemas de controle de emergência e de alívio de carga para conter os impactos de ‘perturbações’ de grande porte na rede de transmissão. A crescente participação de fontes variáveis e não controláveis, como a eólica e solar, amplia a demanda por estes serviços ancilares. O ONS indica a necessidade de 5% de ‘Reserva de Potência Operativa’ (RPO) para o controle da frequência, sendo 4% para lidar com as variações aleatórias da carga (consumo) e 1% para lidar com contingências no suprimento de energia. A aleatoriedade introduzida pela geração eólica eleva este requisito: a cada 100 MW de geração eólica adicionados ao sistema são necessários entre 6 e 15 MW adicionais de RPO. A participação da geração solar também é desafiadora, não tanto pelas variações aleatórias, mas pela intensidade da sua modulação horária. Como a irradiação solar em todas as fazendas solares é praticamente idêntica, o efeito conjunto da elevação e redução da produção é muito acentuado, o que requer serviços ancilares para acomodar tais variações. Ocorre que a contratação dos serviços ancilares é definida administrativamente e a remuneração prevista para a maioria dos serviços não reflete os custos e as condições de operação atuais, o que compromete a expansão da oferta desses serviços. A fim de contornar este problema, deveria ser promovida uma concorrência aberta a todas as fontes de energia para a contratação desses serviços ao menor custo, evitando escolhas de vencedores e reservas de mercado. As autoridades do setor elétrico estão atentas a essa necessidade e buscam formas para aprimorar a regulamentação, que foi tema da Consulta Pública 145/2022 realizada pelo Ministério de Minas e Energia este ano. A provisão de serviços ancilares pode, em primeira análise, parecer uma questão técnica e de escopo muito específico, mas ela é crucial para assegurar a confiabilidade do fornecimento de energia elétrica diante da tão desejada transição energética. Richard Hochstetler, Claudio Sales e Eduardo Müller Monteiro são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br) e escrevem na Brasil Energia a cada dois meses |