Acende Brasil: Ataque político às estatais e agências reguladoras
Parece inacreditável, mas em tempos de promoção – e adoção massiva – das práticas ESG (acrônimo em inglês para as práticas ambientais, sociais e de governança) e do aprimoramento das regras de conformidade empresarial (compliance), a Câmara dos Deputados acaba de aprovar, de forma intempestiva e sem justificativas coerentes, o Projeto de Lei (PL) 2.896/2022, um texto que abala alicerces de duas importantes leis que levaram anos para ser construídas: a Lei das Estatais (Lei 13.303, de junho 2016) e a Lei das Agências Reguladoras (Lei 9.986, de julho de 2000).
A nossa esperança é que no Senado essa aberração oportunista seja barrada para que o fantasma do uso político, um fenômeno que começava a ser destruído com muito esforço, não retorne com força total ao Brasil.
Um dos grandes avanços da Lei das Estatais e da Lei das Agências Reguladoras foi a definição de critérios mais objetivos tanto para inibir a indicação política de pessoas ineptas ou despreparadas para cargos de alta relevância em suas estruturas quanto para aumentar a blindagem contra interferências partidárias. Afinal, cargos em estatais sempre foram alvo de muita cobiça de políticos dispostos a “trocar” seu apoio ao governo por posições nessas empresas.
Foi esse modus operandi que nos levou tanto aos escândalos de corrupção envolvendo estatais como a Petrobras – todos nós ainda nos lembramos das dezenas de executivos condenados à prisão – quanto à destruição de bilhões em valor econômico de empresas como a Eletrobras por gestão incompetente ou voltada a objetivos político-eleitorais contrários aos interesses da empresa.
O PL 2.896/2022, aprovado pelos Deputados Federais na noite do dia 13 de dezembro de forma obscura, apressada e sem discussão com a sociedade, ataca alguns dos núcleos dos critérios de indicação a cargos em estatais e agências reguladoras que tinham sido aprovados nas Leis 13.303 e 9.986 ao dispor sobre “as vedações a serem observadas na indicação de pessoas para o conselho de administração e para a diretoria das estatais e sobre os gastos com publicidade e patrocínio da empresa pública e da sociedade de economia mista e suas subsidiárias, e a Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, para dispor sobre as vedações a serem observadas na indicação de pessoas para o conselho diretor ou a diretoria colegiada das agências reguladoras.”
A intervenção maquinada na Câmara dos Deputados foi cirúrgica ao decretar:
(1) a alteração do artigo 17 da Lei 13.303, reduzindo de 36 meses para apenas 1 mês a vedação de indicação, para o Conselho de Administração e para a diretoria de estatais, de pessoa que tenha atuado como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado à organização, estruturação e realização de campanha eleitoral;
(2) a revisão do artigo 93 da Lei 13.303, quadruplicando os limites de despesas com publicidade e patrocínio de estatais (de 0,5% para 2,0% da receita bruta do ano anterior) sem os cuidados anteriormente existentes, como parâmetros de mercado e aprovação do Conselho de Administração; e
(3) a alteração do artigo 8º-A da Lei 9.986 nos mesmos moldes da alteração para o artigo 17 da Lei 13.303, ou seja, reduzindo de 36 meses para 1 mês a vedação acima descrita, mas aplicada ao Conselho Diretor ou Diretoria Colegiada das agências reguladoras.
Em resumo, as três alterações multiplicam os riscos de vermos em cargos extremamente sensíveis de estatais e agências reguladoras as mesmas pessoas que acabaram de se envolver nas promessas feitas no calor das eleições presidenciais, promessas que não ousamos imaginar quais sejam. Pouco importam as pessoas que serão indicadas, mas sim o risco que suas conduções a diretorias e conselhos imporão.
Em um momento de intensas “negociações” após a campanha eleitoral, o fato de o Presidente da Câmara dos Deputados ter apoiado a ultra rápida tramitação do texto na noite do dia 13 de dezembro e já ter enviado o texto no dia seguinte ao Senado escancara as verdadeiras intenções dos parlamentares e dos grupos de pressão com o PL 2.896/2022: abrir as comportas de ocupação política em posições que deveriam contar com os melhores profissionais, recrutados de forma transparente, para que possamos nos afastar dos perigosos e obscuros interesses políticos e eleitorais.
O mercado acionário interpretou rápida e intensamente o poder destruidor do PL 2.896/2022 caso ele também seja aprovado no Senado: em apenas três pregões as ações de Petrobras e Banco do Brasil caíram mais de 10%. Ou seja, os analistas já conseguem projetar os efeitos nocivos das garras de alguns agentes políticos sobre: (a) os orçamentos das estatais via cargos nas suas altas direções; e (b) as decisões das agências reguladoras, cuja atuação deve ser técnica e afastada dos humores do mundo político e eleitoral.
O Congresso Nacional, após inúmeras tramitações de projetos de lei que têm afetado dramaticamente o setor na base dos “jabutis” – matérias inseridas de forma sub-reptícia em textos de outra natureza para evitar o escrutínio da sociedade – precisa parar seu rolo compressor que destrói rituais e instituições e avaliar: vale a pena correr o risco de denegrir ainda mais sua abalada imagem de defensor de certos empresários e grupos de pressão às custas dos consumidores de energia e de outros serviços públicos? No caso específico do PL 2.896/2022, vale a pena destruir duas referências legislativas (as Leis 13.303 e 9.986) que dificultam o uso político nas estatais e nas agências reguladoras para criar moeda de troca nas óbvias negociações pós-eleições que rolam nos bastidores?
A mesma pergunta vale para o governo que acaba de ser eleito: vale a pena, logo no início do mandato presidencial, e em nome de mais “flexibilidade” para nomear cargos, voltar a ocupar as estatais e agências reguladoras com pessoas altamente vinculadas às motivações políticas e eleitorais que prejudicam a condução destas importantes instituições de forma independente dos embates partidários que frequentemente poluem o processo decisório?
Caros Senadores, os senhores precisam preservar a boa governança na indicação de cargos para nossas estatais e agências reguladoras e impedir o retrocesso que a aprovação do PL 2.896/2022 representaria.
Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro, Alexandre Uhlig e Richard Hochstetler são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)