Eletrobras e os arautos do atraso
Não deixa de ser preocupante que, apesar de estarmos na terceira década de século 21, surjam manifestações políticas, algumas partindo do próprio Presidente da República, propondo um retrocesso na direção de um modelo de governança que a história provou incapaz de atender às demandas dos tempos modernos.
A privatização da Eletrobras passou a ser atacada pelos que pensam assim.
A Eletrobras foi criada como estatal, na década de 1960, época em que o Brasil não atraia capital privado suficiente para fazer frente à necessidade de ampliar a oferta de energia do País. Ela deixou um bom legado de seus primeiros tempos, tanto pelo parque de usinas e linhas de transmissão de implantou, quanto por desenvolver uma cultura técnica posteriormente disseminada em inúmeras empresas do setor elétrico.
Em um segundo momento inverteu-se a situação e ficou claro que o Estado não mais teria recursos suficientes para suportar os investimentos necessários para a expansão da oferta de energia. Coube então ao Governo e ao Congresso de então estabelecer as regras básicas que provessem segurança jurídica para que investimentos privados viessem a ocorrer, a exemplo do que já tinha acontecendo em boa parte dos países.
A Lei das Concessões de 1995 e a criação da Aneel, agência reguladora do setor elétrico, dois anos depois, tornaram isso possível e, a partir daí, a atração de investimentos privados foi massiva, como bem demonstra o aumento de 326% na capacidade instalada de geração de energia de 1997 a 2022.
Neste período, em contrates com o bom legado da Eletrobras de seus primeiros tempos, a companhia foi alvo crescente de uso político que impôs perdas gigantescas, multibilionárias, tanto para o consumidor de energia quanto para o contribuinte brasileiro.
Alguns exemplos trágicos desse efeito são: (1) a “vitória” em leilões de transmissão de energia ofertando preços insustentáveis, que acarretaram prejuízos para a companhia e prejuízos para os consumidores de energia decorrentes da incapacidade da Eletrobras implantar os projetos nos prazos e condições contratadas; e (2) a própria destruição de valor da companhia, que só no período de 2012 a 2015 teve prejuízos de mais de R$ 30 bilhões, com o valor de mercado da empresa chegando a valor 18% do seu valor patrimonial.
Dentre os principais entraves à eficiência das empresas estatais, a literatura econômica destaca: (1) a falta de disciplina orçamentária (“soft budgets“), pois eventuais déficits são cobertos por aportes governamentais (como os R$ 3 bilhões que o Tesouro injetou na empresa em 2016); e (2) o uso político de que são alvo, ocasionando descontinuidade nas orientações da empresa de governo, para dizer o mínimo.
No final de 2012, o Instituto Acende Brasil publicou um White Paper (“Gestão Estatal: Despolitização e Meritocracia”) sobre a gestão estatal de empresas no setor elétrico¹. O estudo teve por base constatações empíricas e numéricas das empresas estatais e privadas de geração, transmissão e distribuição de energia. Em todos esses segmentos ficou constatado o baixo desempenho das empresas estatais em relação às privadas, tanto em termos econômico-financeiros quanto operacionais.
A despeito dessas evidências, vários políticos se opuseram à privatização da Eletrobras. Em 2018 chegaram a constituir uma “Frente Parlamentar” contra a privatização, e não é difícil supor que entre aqueles parlamentares estariam os potenciais promotores do uso político da estatal.
É, portanto, paradoxal que alguns arautos do atraso pretendam reverter a privatização da Eletrobras, que já está produzindo resultados positivos tanto no saneamento econômico da companhia (que vai possibilitar a retomada dos investimentos), quanto na sua blindagem contra o uso político ( que tantos danos ocasiona para a sociedade brasileira).
A Eletrobras privada tem tudo para tornar-se uma empresa eficiente e desbravadora que poderá voltar a honrar a memória dos pioneiros que a constituíram. O consumidor de energia e o contribuinte brasileiro agradecem pelos novos tempos da Eletrobras-privada. Já certos políticos interessados nos cabides de emprego e me outros usos inconfessáveis dos tempos da Eletrobras-estatal, nem tanto.
*Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro e Richard Lee Hochstetler são do Instituto Acende Brasil e escrevem mensalmente para o Broadcast Energia.
¹disponível em https://acendebrasil.com.br/wp-content/uploads/2020/04/2012_WhitePaperAcendeBrasil_10_GestaoEstatalParte1_Rev0.pdf