Belo Monte e as comportas do diálogo

Data da publicação: 31/03/2021

31/Mar/2021, Canal Energia

O país respira aliviado com o acordo entre o Ibama e a Hidrelétrica de Belo Monte.

Mesmo no final do período chuvoso – que tipicamente acontece entre novembro e abril de cada ano –, os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste do Sistema Interligado Nacional estão com apenas 32,3% da sua capacidade de armazenamento. Esta condição aumenta a dependência das usinas localizadas em outros subsistemas, principalmente das hidrelétricas com grande capacidade de geração em períodos chuvosos, como é o caso da usina de Belo Monte.

Na prática, gerar energia em Belo Monte entre fevereiro e maio reduz a necessidade de geração no subsistema SE/CO e permite que este subsistema armazene a água que será necessária para a geração no período seco, que ocorre entre maio e outubro. Vale lembrar que o país gera eletricidade predominantemente a partir das usinas hidrelétricas (mais de 60% do total de geração).

No final de 2019, Belo Monte concluiu a instalação de suas 18 turbinas, o que permitiria gerar sua capacidade máxima de energia desde que fosse mantida uma determinada quantidade de água (vazão) para a Volta Grande do rio Xingu.

Com o objetivo de garantir essa quantidade de água foram definidos dois regimes de vazões (hidrogramas), e em cada um destes regimes foram definidas as quantidades mínimas de água ao longo dos meses para a Volta Grande do Xingu.

Este conjunto de regimes de vazões, chamado de “Hidrograma de Consenso”, foi: (a) aprovado pelo Ibama para emissão das Licenças Prévia, de Instalação e de Operação da Usina; e (b) ratificado pela Agência Nacional de Águas – ANA em resoluções publicadas em 2011, 2014 e 2020.

O próprio Ibama estabeleceu que o monitoramento da região seria feito durante 6 anos a partir da entrada em operação de todas as turbinas da usina antes de uma possível reavaliação do Hidrograma de Consenso. Em 2020, no entanto, constatou-se que os impactos descritos no Estudo de Impacto Ambiental para a Volta Grande do rio Xingu poderiam ser maiores que os inicialmente previstos, o que demandou a antecipação das medidas de redução dos impactos ambientais. Em função disso, o Ibama determinou que a vazão na Volta Grande do Xingu fosse aumentada: (a) de 1.100 para 3.100 m3/s em janeiro de 2021; e (b) de 1.600 para 10.900 m3/s em fevereiro de 2021.

Com esses aumentos, a usina de Belo Monte deixou de contar com a maior parte da água necessária para a geração de energia elétrica. Apenas para se ter uma ideia do impacto dessas alterações de vazão, a água desviada de Belo Monte seria equivalente a retirar do sistema brasileiro a geração integral da usina nuclear de Angra II (em janeiro) e da usina hidrelétrica de Itaipu (em fevereiro).

A situação demandava urgência na sua solução e envolvia um grande dilema a ser ponderado pelo Ibama. Se, por um lado, poderia haver impactos maiores que os previstos no Estudo de Impacto Ambiental que precisariam ser mitigados pela redução da vazão para a hidrelétrica, por outro lado, a redução de vazão reduziria dramaticamente a geração de energia, colocando em risco o sistema interligado nacional e podendo gerar uma conta para o consumidor de eletricidade de 3 bilhões de reais.

O dilema foi resolvido a partir de diálogo, buscando alternativas que permitissem que Belo Monte tivesse água necessária para a geração de energia elétrica e a Volta Grande do Xingu tivesse seus impactos ambientais reavaliados, incluindo a antecipação de medidas de redução dos impactos.

Um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) foi firmado, definindo que: (1) Belo Monte aplicará R$ 157 milhões em programas e ações para minimizar os impactos na Volta Grande do Xingu; e (2) fosse aplicado o Hidrograma de Consenso, garantindo geração de energia de forma simultânea ao tratamento dos impactos ambientais.

Ao final, uma situação tensa foi resolvida e deixou lições importantes para um país que tem centenas de empreendimentos do setor elétrico em planejamento e em construção.

Afinal, por mais que os estudos socioambientais tenham evoluído, a gestão de recursos naturais como a água – que tem usos múltiplos como navegação, irrigação, geração de energia etc. – não é uma ciência exata. Isto implica que, eventualmente, os impactos socioambientais dos empreendimentos poderão ser maiores que os previstos durante o processo de licenciamento ambiental.

A partir do reconhecimento dessa realidade, é necessário o compromisso de todos – empreendedores, Ministério Público, Órgãos Ambientais e intervenientes, como a Funai e ICMBio – para o desenvolvimento de acordos que permitam a readequação das medidas de redução de impactos, possibilitando a continuidade dos projetos sem abrir mão da preservação socioambiental.

Diante do impasse e do conflito, o diálogo rápido e sem posturas pré-concebidas é o único caminho para o estabelecimento de um acordo transparente, no melhor estilo “ganha-ganha-ganha”: ganha o meio ambiente com a mitigação dos impactos, ganham as comunidades que vivem na região dos empreendimentos, e ganham todos os brasileiros com eletricidade mais barata.

Claudio J. D. Sales, Eduardo Müller Monteiro e  Alexandre Uhlig são, respectivamente, Presidente, Diretor Executivo e Diretor de Assuntos Socioambientais e Sustentabilidade do Instituto Acende Brasil. 

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