Crise hídrica: causas, respostas e reflexões
27/dez/2021, Revista Brasil Energia Online
Acabamos de atravessar um período de alta ansiedade, devido a um eventual risco de racionamento de eletricidade deflagrado por uma crise hídrica que tem afetado criticamente os reservatórios de nossas usinas hidrelétricas.
Como este assunto é de grande impacto econômico e de extrema sensibilidade no mundo político, a busca por informações objetivas sobre o tema é sempre um desafio em função da diversidade de opiniões emitidas em vários meios. Mas acreditamos que três perguntas ajudam a vencer este desafio: (1) por que os reservatórios hidrelétricos foram deplecionados?; (2) quais foram as medidas de resposta à crise?; e (3) há outros fatores que contribuíram para a crise?
Os reservatórios foram deplecionados devido a duas causas principais: (1.a) os últimos anos apresentaram hidrologias excepcionalmente baixas; e (1.b) houve aumento do consumo de água para outros usos.
Como indicador da hidrologia baixa, a Energia Natural Afluente (ENA) – parâmetro que expressa a afluência em termos energéticos – dos últimos anos esteve entre as 25% piores afluências do histórico, sendo que a ENA de 2020 foi inferior à hidrologia de 2001, ano que culminou no racionamento de energia. Além disso, a ENA dos últimos anos foi a mais baixa para 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 anos consecutivos. Trata-se de uma situação crítica prolongada que pode indicar uma mudança estrutural do comportamento das afluências.
Em relação à segunda causa – que, aliás, é muito menos comentada que a redução de afluência –, é importante perceber que os usos consuntivos da água no Brasil têm aumentado a cada ano, colocando pressão sobre o volume de água disponível nas hidrelétricas. Apenas para se ter uma ideia, o consumo consuntivo de água neste ano equivale a 2,1% da água disponível nas hidrelétricas. Este valor, que representa uma média nacional, não é desprezível, especialmente quando se observa sua tendência de aumento.
As medidas de resposta à crise mais relevantes foram: (2.a) aumento da geração termelétrica e importações de energia; (2.b) contratação excepcional de usinas; (2.c) medidas de redução do consumo (resposta à demanda e programas de conscientização); e (2.d) criação de uma câmara (a CREG, ou Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) para monitoramento e enfrentamento da crise hídrica e para tomada de decisões de forma tempestiva quanto ao uso múltiplos dos recursos hídricos. Pode-se dizer, portanto, que não houve imobilismo de nossas autoridades para enfrentar a crise. Pelo contrário: foram várias medidas de diferentes naturezas que nos ajudaram a diminuir o impacto e o risco da crise.
A partir de uma visão das causas mais evidentes apontadas acima e das medidas tomadas para enfrentá-la, passa a ser possível refletir sobre outros fatores que têm contribuído para a crise, entre os quais destacamos: (3.a) os atuais níveis baixos dos reservatórios hidrelétricos resultam em um consumo 16% superior de água para geração de eletricidade, resultado da perda de produtibilidade das hidrelétricas; (3.b) os modelos computacionais adotam usinas mais eficientes e acabam subestimando o consumo de água necessário para geração de energia; e (3.c) a taxa de desconto atualmente usada nos modelos computacionais favorece um maior esvaziamento dos reservatórios.
Essas e outras análises estão na 15ª edição do Programa Energia Transparente (disponível em acendebrasil.com.br/estudos), um estudo do Instituto Acende Brasil – realizado anualmente, no fim do período úmido, após julho de cada ano – com os principais eventos do ano operativo.
Entender de forma objetiva as causas da crise hídrica é o primeiro passo para subsidiar decisões de política energética que ofereçam soluções realmente estruturais e realmente de longo prazo.
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são, respectivamente, Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil.