Despolitizando o setor elétrico

Data da matéria: 26/07/2007

Em qualquer lugar do mundo o planejador governamental do setor de energia traça cenários e indica o nível de risco a que a consumidores estão submetidos em termos de preço e disponibilidade de energia.  Partem do planejador os alertas que apontam tendências para que todos tomem suas decisões de produção e consumo.  No Brasil, o planejador é diferente.

Desde outubro de 2005 os empreendedores privados do setor elétrico pedem transparência sobre as condições de oferta de energia no país.  Existe um órgão governamental chamado CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) cuja função é a de avaliar a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético nacional. Reúnem-se, neste comitê, órgãos como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).  Apesar dos pedidos, até hoje nenhuma ata dessas reuniões foi publicada, apenas pautas dos temas discutidos.

Motivado por esta falta de transparência, o Instituto Acende Brasil desenvolveu o Programa Energia Transparente, cujo objetivo é o de monitorar permanentemente o cenário de oferta e expressar o real risco de decretar um racionamento de energia para os próximos cinco anos.  Partindo de dados oficiais, constrói-se um “termômetro” que “mede a temperatura” do setor elétrico e que diagnostica a “febre” quando o risco de decretar racionamento for superior a 5%, nível de risco aceitável.  As análises detalhadas, trimestrais, estão disponíveis em www.acendebrasil.com.br.

Os resultados da segunda edição trimestral revelam que o risco de se decretar racionamento até 2008 está dentro do aceitável (menor ou igual a 5%) e aumenta em 2009 (6,5%).  A partir de então, configura-se uma situação de alerta grave: em 2010 e 2011 o risco é de 11,5% e 28%, respectivamente.  Os riscos acima valem para o caso que combina cenários de demanda e de oferta batizados de “referência”, totalmente alinhados com os cenários governamentais: PIB crescendo a 4,8% (consenso entre economistas) e nenhum atraso nas obras previstas pelas instituições oficiais.  Se houver atrasos, os riscos para 2010 e 2011 sobem para 14 e 32%.

A reação mais recente de alguns representantes do governo ao Programa Energia Transparente é o de desqualificá-lo porque os resultados não lhes agradam.  Em vez de atacar o mensageiro, deveriam, em primeiro lugar, ler as centenas de páginas das duas primeiras edições.  E estudá-las.  E, em seguida, responder, objetivamente, aos pontos abordados.  Não há controvérsia que resista à realidade dos números.

Estamos num bom momento para desvincular o setor elétrico de interesses político-eleitorais.  A resposta dos mesmos representantes governamentais para perguntas sobre o futuro da oferta de energia tem sido olhar para o passado e usar comparações (tecnicamente imprecisas, aliás) entre feitos do governo atual e anterior, na tentativa de dizer que “muita coisa tem sido feita”.  Ainda não desceram do palanque.

A mensagem mais importante a ser compreendida é que a falta de transparência e realismo impõe um custo à sociedade.  Custo esse que poderia ser menor se houvesse acesso aos cenários mais prováveis porque os sinais econômicos corretos de oferta e preço seriam dados a todos os produtores e consumidores de energia.  Quando a informação tarda a chegar os custos são muito maiores porque as soluções são emergenciais.

O governo já dá sinais claros de sua preocupação.  Um primeiro sinal é a mudança de postura da ministra Dilma Rousseff em relação à construção de Angra III: até abril de 2005 foi publicamente contra a usina nuclear “por não ser economicamente viável”, mas, em junho de 2007, deu voto favorável ao projeto por saber que qualquer adição de potência é benvinda. Outro sinal da preocupação é o Termo de Compromisso assumido pela Petrobras com a Aneel, que está sendo apontado pelo governo como solução definitiva do problema.  Este termo “garantiria” o suprimento de gás para um conjunto de termelétricas consideradas pela Aneel como indisponíveis porque não tinham gás para operar.

A segunda edição do Programa Energia Transparente calcula as limitações do Termo de Compromisso e analisa os motivos do fracassso do leilão de fontes alternativas de 18 de junho, que atendeu a somente 19% da demanda pretendida.

Diminui a cada dia que passa o número de opções disponíveis para solucionar o crescente desafio de oferecer energia aos brasileiros.  Os próximos leilões de energia que serão feitos em 2007 e 2008 com o objetivo de atender à demanda de 2010 e 2011 (conhecidos como leilões A-3) serão capazes de preencher, na melhor das hipóteses, apenas 1600 MW médios de um déficit estrutural total de 3100 MW médios.

De onde virão os 1500 MW médios para atender à demanda de 2011?  Há pouco tempo para a adoção de mecanismos legais e regulatórios que dêem os corretos incentivos às usinas mais eficientes, que devem ser contratadas pelo seu mérito competitivo.  É importante que vençam os projetos mais baratos, sem a aplicação de subsídios que nem sempre são comunicados de forma clara à população.

Qualquer que sejam os mecanismos adotados para reduzir os riscos de decretar racionamento, que essa redução não venha acompanhada de custos adicionais  para a sociedade.  Afinal, se a solução para evitar o racionamento for a contratação de usinas emergenciais, o governo realmente tem razão: está tudo resolvido para 2010 e 2011.  Só falta terminar a frase: tudo resolvido com o dinheiro dos pobres consumidores. Espera-se muito mais de nossos governantes, e principalmente de nossos planejadores, que diziam, em plena campanha eleitoral, que uma das razões principais que levou ao racionamento de 2001 foi a falta de planejamento.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil, entidade que promove a transparência e a sustentabilidade no setor elétrico brasileiro.

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