Estaria a conta de luz fora de controle?

Data da matéria: 03/03/2022

03/mar/2022, Valor Econômico

Em anos de crise, a população fica especialmente atenta ao comportamento de tarifas de serviços públicos essenciais como energia elétrica, telecomunicações, água e esgoto. No caso de energia elétrica, qualquer explicação sobre aumentos de tarifas é ainda mais desafiadora em função da complexidade da conta de luz, a começar por dezenas de impostos e encargos que responderam por 49,1% da receita do setor em 2020.

Também não ajudam o ruído causado pelas bandeiras tarifárias – um mecanismo bom para o consumidor, mas que é equivocadamente interpretado como aumento de tarifa – e a conexão do setor elétrico com fatores que fogem do seu controle, como a inflação e o câmbio.

Feitas as ressalvas acima, permanecem duas perguntas objetivas: A conta de luz tem subido mais que a inflação?; e o que pode ser feito para reduzir estruturalmente as tarifas de eletricidade?

No que se refere à primeira questão, qualquer aumento é frustrante porque, como não podemos viver sem eletricidade – começando por nossas casas, passando pelos hospitais e escolas, e terminando nas fábricas -, quando a conta de luz aumenta coloca-se pressão sobre todas as cadeias de produção e de consumo, prejudicando a competitividade da economia e onerando desproporcionalmente as famílias mais pobres.

Entretanto, um olhar sistemático revela que as tarifas de eletricidade têm acompanhado os índices gerais de preços.

Comparando-se a tarifa média residencial em outubro/2021 (dado mais recente disponível no site da Aneel: www.aneel.gov.br/relatorios-de-consumo-e-receita) com a de outubro/2003 (ano mais longínquo da base de dados), verifica-se que a tarifa subiu 182%, um percentual que não diverge muito dos aumentos dos demais bens e serviços: a inflação medida pela IPCA no período foi de 172%, uma diferença de 9% em 18 anos, ou 0,5% ao ano.

Esse valor difere dramaticamente de algumas estatísticas veiculadas recentemente como, por exemplo, as de uma associação do setor elétrico que indicavam uma elevação da tarifa residencial de 144% para uma inflação de 48%, uma elevação três vezes superior à da inflação. No caso mencionado, a comparação leva em conta a tarifa média residencial de dezembro de 2014 (não 2015) com a de outubro de 2021, e o que explica a discrepância é que as duas datas refletem situações muito atípicas devido a questões conjunturais passageiras: a tarifa de 2014 em patamar extraordinariamente baixo e a tarifa de 2021 em patamar extraordinariamente alto.

Nos anos de 2013 e 2014, o governo da época tentou reduzir artificialmente as tarifas via medida provisória (MP 579) que passou a custear subsídios tarifários para certas classes de consumo de energia com recursos da União, o que levou a uma redução temporária da tarifa de eletricidade, mas que foi rapidamente revertida em 2015 quando o governo deixou de usar recursos do Tesouro e voltou a custear os subsídios via conta de luz. Se a comparação tivesse sido feita com a tarifa do mesmo mês de 2015 (em vez de 2014), o aumento tarifário seria de 55% em vez dos 114%.

As condições atuais também não refletem situação de normalidade. Estamos vivendo a pior crise hídrica já registrada e, buscando lidar com esta crise, o governo implantou em setembro de 2021 a “Bandeira Tarifária Escassez Hídrica”, uma taxa extraordinária que irá vigorar até abril de 2022 para cobrir as despesas excepcionais incorridas na crise hídrica. Se a comparação das tarifas fosse realizada considerando a tarifa de agosto, antes da implantação da Bandeira Escassez Hídrica, seria constatada uma elevação da tarifa de 43%, ainda superior à inflação no período (31%), mas correspondente a um terço dos 114% reportados.

Voltando à perspectiva de longo prazo que anula efeitos temporários, quando comparamos a tarifa de agosto de 2021 com a de 18 anos atrás, verifica-se uma elevação de 171%, ou apenas 2 pontos percentuais acima da inflação acumulada no período. Ou seja, a resposta à primeira pergunta é: a conta de luz tem subido de forma alinhada à inflação.

Quanto à segunda pergunta, há ações bastante efetivas para reduzir estruturalmente a conta de luz. Certamente o consumidor pagaria menos se o governo reduzisse sua sanha arrecadatória diminuindo a carga de tributos que incidem sobre a conta de luz.

A recente discussão acalorada sobre a redução de impostos sobre combustíveis é emblemática. No caso de combustíveis, vemos grande mobilização de autoridades em resposta à pressão de grupos organizados, apesar de não haver nenhuma garantia de redução final do litro de combustível para os consumidores por causa da cadeia de valor envolvida. Já no caso da eletricidade, onde a redução de impostos teria efeito garantido de redução de tarifas, não surge nenhum político com a bandeira de redução de impostos. Por que?

O consumidor residencial também pagaria menos se não tivesse que arcar com subsídios concedidos a determinadas fontes de energia e a algumas classes de consumidores. Muitos desses subsídios, aliás, surgem por iniciativas de parlamentares em busca de privilégios para alguns, e sempre destacando o benefício do subsídio sem explicitar que o custo do subsídio será pago por todos os consumidores de forma difusa.

O processo de regulação tarifária é transparente, segue metodologia rigorosa e fundamentada, e tem levado a significativos ganhos de eficiência e produtividade na distribuição de eletricidade: a parcela tarifária sob gestão das distribuidoras, que representava 38% da tarifa residencial dez anos atrás, hoje responde por 30% da tarifa antes dos tributos (www.aneel.gov.br/luz-na-tarifa).

Precisamos partir de bons diagnósticos para entender o que realmente está acontecendo com a conta de luz e, com base em números sólidos, colocarmos foco nas iniciativas que realmente podem reduzir a tarifa de eletricidade. Nossos políticos poderiam ser os primeiros a começar esse movimento em defesa de todos os consumidores comuns de eletricidade, consumidores que hoje estão sem representantes de seus interesses em Brasília.

Claudio J. D. Sales, Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são, respectivamente, Presidente, Diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil. 

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