Fronteiras do Setor (Parte 1): Aprimorando o mercado com inovação e segurança

Data da matéria: 24/11/2021

24/nov/2021, Canal Energia

Brazil Energy Frontiers 2021, evento internacional que acaba de ser organizado pelo Instituto Acende Brasil nos dias 20 e 21 de outubro, explorou em sua 6ª. edição as novas fronteiras do setor elétrico repetindo o formato consagrado desde sua 1ª. edição, realizada em 2011: painéis temáticos com duas apresentações (a primeira com um termo de referência preparado pelo Instituto Acende Brasil e a segunda feita por um keynote speaker internacional ou brasileiro) e um painel de debates.

Os dois dias de trabalhos foram acompanhados por 466 participantes, que inclusive puderam fazer perguntas via online chat. Ao todo, contamos com oito conferencistas, sendo quatro profissionais do Instituto Acende Brasil e quatro keynote speakers convidados. Tivemos também 16 debatedores entre autoridades do setor elétrico, profissionais do mercado e representantes da academia.

O evento, que é realizado a cada dois anos, foi online e gratuito, e esta série de quatro artigos fará um sumário executivo dos 4 painéis da conferência:

– Painel 1: Aprimorando o Mercado de Energia
– Painel 2: Coordenando a Abertura do Mercado
– Painel 3: Integrando os Setores de Gás e Elétrico
– Painel 4: Viabilizando a Inserção Tecnológica

Painel 1 – Aprimorando o mercado com inovação e segurança

O tema proposto para o 1º. painel do Brazil Energy Frontiers 2021 colocou em debate três questões: (a) adequação da oferta (definição de produtos); (b) mecanismos de mercado (como comercializar esses produtos); e (c) segurança de mercado (para garantir o cumprimento das transações realizadas).

A apresentação foi feita por Richard Hochstetler, Diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil, que explicou que o desafio para a definição dos produtos, da perspectiva do planejamento da expansão, é um problema que surge, principalmente, em função da aleatoriedade da oferta das fontes renováveis.

Os agentes do setor estão acostumados à aleatoriedade no caso de hidrelétricas, em função de secas prolongadas. Mas há um novo tipo de risco a ser considerado em função da variabilidade da geração de fontes como eólica e solar. “Enquanto no caso das hidrelétricas a questão central é definir a quantidade de energia daquela fonte com a qual podemos contar no longo prazo, no caso das fontes eólica e solar a questão é mais atrelada a saber qual deve ser a configuração do resto do parque gerador que consegue trazer flexibilidade para lidar com a variabilidade dessas duas fontes”, explicou Richard.

Richard citou, ainda, os desafios da operação: um deles, no Nordeste, o outro no Sudeste, com causas bastante diferentes, mas com consequências muito semelhantes. No caso do Nordeste, a participação expressiva de fontes não controláveis – principalmente eólica, fonte que tem baixa inércia – deixa o sistema mais sujeito a variações de frequência muito repentinas, o que pode levar a apagões. O mesmo tipo de fragilidade acontece no Sudeste, mas por outra razão: a distância entre as usinas e os centros de carga.

Também foram tratados os conceitos de ‘produtos’ e de sua remuneração para contextualizar o que seria um trailer do leilão de reserva que será realizado em dezembro: “a ideia do leilão é contratar potência elétrica, que prevê o pagamento de uma receita fixa por disponibilidade”. Nesse caso, o gerador terá a incumbência de oferecer energia sempre que despachado. Caso contrário, ele é penalizado. O leilão também admite uma inflexibilidade de até 30% da contratação de potência. Hochstetler lembrou que apenas termelétricas poderão participar do certame de dezembro, o que “traz perplexidade” porque, a princípio, hidrelétricas são excelentes candidatas para atender à necessidade de potência adicional, uma vez que algumas delas já têm estrutura pronta para a instalação de turbinas geradoras adicionais, entre outras possibilidades a baixo custo.

Um segundo aspecto abordado no âmbito da comercialização foi a questão de formação de preços. A pauta de modernização prevê duas possibilidades: a melhoria dos modelos computacionais utilizados para definir os preços, como é feito hoje, ou o lance de ofertas submetidas pelos agentes.

No terceiro aspecto abordado pelo diretor do Instituto Acende Brasil – segurança de mercado –, ele citou a preocupação com o mercado livre de energia. O Ambiente de Contratação Regulada (mercado regulado) é transparente e tem uma série de controles, mas o mesmo não ocorre com o Ambiente de Contratação Livre, que hoje já corresponde por mais de um terço do mercado, com tendência de expansão nos próximos anos.

Apesar de a contratação ser de longo prazo – 82% dos contratos têm prazo de mais de um ano, sendo que muitos têm prazo de cinco a dez anos –, a maioria deles é registrada na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) na modalidade “registro contra o pagamento”. Isso quer dizer que as quantidades e os preços só são colocados depois da efetiva entrega da energia, o que impossibilita o monitoramento. “É claro que se queremos evoluir com qualquer tipo de abertura de mercado e ter uma concorrência mais ampla, vamos precisar de um controle maior. Estamos correndo um risco enorme e, portanto, precisamos de monitoramento de mercado.”

A CCEE vem trabalhando para assegurar mais segurança no âmbito do mercado livre e publicou uma série de notas técnicas no último ano. Uma das notas trata de procedimentos para obtenção e manutenção de autorização para atuar no mercado, outra de monitoramento prudencial e uma terceira, ainda em elaboração, define os aportes de garantia.

É interessante notar que todos os temas abordados no 1º. painel do Brazil Energy Frontiers 2021 fazem parte da Pauta de Modernização do setor elétrico e estão contidos no Projeto de Lei 414/2021 que tramita no Congresso neste momento. O texto já passou pelo Senado e reúne o consenso das discussões que ocorreram no âmbito do Ministério de Minas e Energia via Consulta Pública 33/2017.

O convidado internacional para o 1º. painel do Brazil Energy Frontiers 2021 foi Thomas-Olivier Léautier, economista-chefe e diretor da Universidade Corporativa de Gestão da Électricité de France (EDF) e pesquisador associado da Escola de Economia de Toulouse, na França.

Léautier fez uma retrospectiva a respeito dos 20 anos de reestruturação na indústria da eletricidade, com foco em lições aprendidas, perspectivas futuras e desafios que estão postos para essa indústria.

O tema da segurança no fornecimento de energia também foi abordado, particularmente em relação aos países europeus, considerando a relação entre a origem do insumo e os aspectos geopolíticos da região.

O aquecimento climático foi apontado como um dos importantes desafios futuros para a indústria de energia: “os sistemas elétricos do futuro terão muitas renováveis que vão se comportar de forma diferente do que vemos hoje”.

Ao longo da apresentação de Thomas-Olivier Léautier, os participantes inscritos no fórum fizeram perguntas pelo chat.  As mais recorrentes foram a respeito da possibilidade de interferência política no setor elétrico. “Interferência política é algo que acontece na Europa e no mundo inteiro”, respondeu Léautier. “De forma geral, o mundo político perdeu a confiança no mercado. É preciso haver uma burocracia robusta para resistir à pressão política. Isso funciona em alguns países, em outros não.”

Em reação às perguntas sobre o aumento da complexidade da regulação, Thomas afirmou que “precisamos criar oportunidades para que as pessoas se sintam envolvidas com o setor de energia. A regulação precisa ser mais simples.”

No painel de debates quatro tópicos (lastro e energia, serviços ancilares, despacho por oferta, e segurança de mercado) foram debatidos por Carlos Longo (SPIC Brasil), Erik Rego (EPE), João Carlos Mello (Thymos Energia) e Rui Altieri (CCEE).

Aos que tiverem tempo e interesse, os painéis foram integralmente gravados e todas as apresentações e vídeos estão disponíveis em nosso website (acendebrasil.com.br).

O segundo artigo desta série de quatro textos será publicado amanhã e tratará da coordenação necessária para que a abertura do mercado aconteça de forma sustentável para todos os agentes da cadeia de valor do setor elétrico, a começar pelos consumidores de energia, sejam eles regulados ou livres.

Claudio J. D. Sales e Richard Hochstetler são, respectivamente, Presidente e Diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil.

Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil