Fronteiras do Setor (Parte 2): Coordenando a abertura de mercado de forma sustentável

Data da publicação: 25/11/2021

25/nov/2021, Canal Energia

Esta série de quatro artigos apresenta um sumário executivo dos quatro painéis da conferência Brazil Energy Frontiers 2021, evento internacional que acaba de ser organizado pelo Instituto Acende Brasil nos dias 20 e 21 de outubro.

O primeiro artigo desta série de quatro textos, publicado ontem, tratou de três questões cruciais para aprimorar o mercado de energia elétrica: (a) adequação da oferta; (b) mecanismos de mercado; e (c) segurança de mercado.

Este segundo artigo resume os trabalhos do segundo painel, que abordou a coordenação necessária para que a abertura do mercado aconteça de forma sustentável para todos os agentes da cadeia de valor do setor elétrico.

Painel 2 – Coordenando a abertura de mercado de forma sustentável para todos

A apresentação do tema do 2º. painel do Brazil Energy Frontiers 2021 foi feita por Eduardo Müller Monteiro, Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil. Entre os assuntos que foram abordados estão os movimentos legais e regulatórios que definem as fronteiras de abertura do mercado de energia elétrica no Brasil, a integração de recursos energéticos distribuídos e os novos papeis das distribuidoras.

“A primeira questão quando falamos em abertura de mercado de energia é a definição de quais são os benefícios que se quer obter e, como derivada dessa questão, se a contratação regulada precisa ser descontinuada quando a abertura integral do mercado for feita, ou se ela deve permanecer como opção”, ponderou Eduardo. “Chegaremos ao final de 2022 com a incumbência dada à Aneel e à CCEE de definir estudos sobre o que fazer a respeito da migração do mercado regulado para cargas inferiores a 500 kW.”

Ainda falando sobre a abertura do mercado de energia elétrica, Monteiro citou questões como custos e riscos envolvidos na migração dos consumidores regulados para o ambiente de contratação livre; segurança de mercado; análise dos resultados obtidos a partir da experiência de outros países; separação da distribuição e comercialização; regulação do lastro e da energia; contratos legados e medição inteligente.

A recente tomada de subsídios da Aneel (TS 10/2021) identificou um rol de desafios que precisam ser analisados na abertura de mercado: a extensão da abertura; a criação de novas funções e agentes; a regulação da comercialização varejista; modelos de faturamento; requisitos técnicos para a abertura; e contratos legados das distribuidoras. A TS 10/2021 foi aberta em junho para iniciar o processo de análise regulatória das medidas necessárias à abertura total do mercado de energia, ou seja, para pequenos consumidores, com carga inferior a 500 kW, incluindo o comercializador regulado de energia, e proposta de cronograma de abertura iniciando em 1º de janeiro de 2024.

Em relação a Recursos Energéticos Distribuídos, Eduardo lembrou que a geração clássica, com perfil centralizado, está cada vez mais se pulverizando e a participação de fontes não controláveis, como eólicas e solares, é crescente. Para o consumidor que quer se desligar da rede, produzindo sua própria energia, a possibilidade de inserção de tecnologias de armazenamento está se tornando realidade. Nesse cenário, a participação ativa de consumidores na provisão e gerenciamento de energia elétrica também está em expansão.

A respeito do papel da geração distribuída de energia elétrica, foram citados os incentivos e subsídios cruzados tarifários que têm sido criticados por especialistas e agentes do setor elétrico. Esse é um dos tópicos do Projeto de Lei 5829/2019, conhecido como marco regulatório da geração distribuída, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas que ainda não entrou na pauta de discussão e votação do Senado. O objetivo, em um dado horizonte de tempo, é acabar com os subsídios, com a ressalva de que seriam considerados os benefícios proporcionados pela micro e minigeração distribuída ao sistema elétrico.

No novo cenário visualizado para o setor no futuro, o papel da distribuidora de energia também seria outro. Inseridas em um arcabouço de integração total, as distribuidoras passariam a ser ofertantes de uma plataforma de serviços distribuídos. Isso quer dizer que a distribuidora usaria os serviços da sua rede como um meio para prestar serviços, inclusive de serviços energéticos distribuídos. “O principal desafio que surge desse novo papel da distribuidora é a construção desse novo papel com a viabilização de sua sustentabilidade econômico-financeira”, apontou Monteiro.

O terceiro grande bloco de temas colocados em debate – a estrutura tarifária do fornecimento de energia – levou em conta uma definição que está expressa na nota técnica 76/2021 da Aneel, segundo a qual, “a estrutura tarifária é uma ferramenta fundamental para criar os incentivos aos consumidores para utilizar a rede de forma otimizada, reduzindo o consumo e estimulando a injeção de energia nos horários de pico, além do carregamento de veículos elétricos e sistemas de armazenamento nos horários de carga leve, o que melhora o fator de carga da rede e reduz a necessidade de investimentos na expansão”.

No entender dos estudos do Instituto Acende Brasil, seria desejável adotar uma precificação dinâmica que refletisse as condições do sistema em cada instante e em cada ponto da rede. No entanto, a dúvida que fica é a respeito da viabilidade da proposta no curto prazo. Quais são os fatores mais relevantes? Há lições aprendidas das inovações recentes, como as bandeiras tarifárias e a tarifa branca? “Quando pensamos na sinalização de preços, é muito difícil imaginar uma solução completa sem uma revisita da estrutura tarifária atual”, afirmou Eduardo Monteiro.

O economista e consultor Ahmad Faruqui, keynote speaker convidado para o 2º. painel do Brazil Energy Frontiers 2021, relatou observações e experiências vividas ao longo de sua carreira atendendo a clientes em cerca de 20 países.

Para o Dr. Faruqui, a principal evidência é que a nova geração de consumidores do setor elétrico está se tornando cada vez mais exigente, sendo que a demanda mais comum é a redução da tarifa de energia elétrica. “Esses novos clientes estão analisando a possibilidade de autogeração de energia, que pode ser feita por meio de painéis solares em residências”, afirmou. “Já os grandes consumidores, como indústrias e comércios de porte, querem ter suas próprias usinas geradoras.”

Outra característica do novo consumidor de energia elétrica é a preocupação com o meio ambiente. Nos Estados Unidos, país citado por Faruqui como exemplo dessa tendência, cada estado do país tem alvos agressivos para se tornarem verdes e reduzirem suas emissões de gás carbônico, o que resulta no aumento da demanda por energias de fonte renovável. “Na Califórnia, 10% das casas têm painéis solares. A projeção para 2025 é chegar a 50% das residências. A Califórnia e o Havaí são os dois estados que estão liderando essa revolução nos Estados Unidos.”

Nessa linha, ele mencionou, ainda, outros países, como Alemanha, Inglaterra e Austrália. “Além da instalação de painéis solares, cada vez mais clientes estão armazenando energia em baterias para aumentar as chances de ter energia quando houver algum tipo de queda no sistema.”

No mercado livre de energia, a negociação de preços tem sido agressiva. “O grande consumidor troca de fornecedor por uma diferença de 5% na fatura de eletricidade, enquanto o consumidor residencial precisa de ofertas de pelo menos 25% para mudar”, disse Faruqui com base em levantamento feito por ele há alguns anos.

Outro fenômeno dos novos tempos são os carros elétricos, que também entraram no horizonte do consumidor. Embora mais caros que os veículos a combustível fóssil, os elétricos têm apelo ambiental. Na Noruega, a venda de novos modelos de carros elétricos acaba de bater recorde recentemente, chegando a quase 100% da totalidade dos veículos saídos de fábrica e negociados por revendedoras.

Ao encerrar sua apresentação, Ahmad Faruqui indicou uma agenda de cinco pontos para formuladores de políticas no setor elétrico brasileiro, entre os quais: a revisão do sistema tarifário para que o consumidor tenha mais opções; o desenvolvimento de projetos-piloto com novas tarifas para testar sua aceitação junto aos clientes; e a implantação de medidores inteligentes que possibilitem a oferta dessas tarifas, além de fornecer outros benefícios para o sistema de distribuição, como detecção mais rápida de interrupções e automação da medição.

Abertura de mercado, integração de recursos energéticos distribuídos e precificação do fornecimento de energia foram os três tópicos propostos aos debatedores do 2º. Painel, composto por Sandoval Feitosa (Aneel), Bernardo Bezerra (Omega Energia), Sebastian Butto (Siglasul) e Solange Ribeiro (Neoenergia).

Vale lembrar que todos os painéis do Brazil Energy Frontiers 2021 foram integralmente gravados e todas as apresentações e vídeos estão disponíveis em nosso website (acendebrasil.com.br).

O terceiro artigo desta série de quatro textos será publicado na próxima semana e tratará dos desafios e oportunidades que emergem da integração entre o setor de gás natural e o setor de eletricidade.

Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são, respectivamente, Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil. 

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