Itaipu e Modicidade Tarifária: Oportunidade Única
As bases financeiras e de prestação dos serviços de eletricidade da Itaipu são estabelecidas no Anexo C do Tratado de Itaipu, que na sua cláusula VI define que tais bases poderiam ser revistas após 50 anos, o que ocorrerá em 30 de agosto de 2023. Estamos, portanto, diante de uma oportunidade única para aproveitar esse importante evento geopolítico para reduzir nossa tarifa de eletricidade.
É importante frisar que, embora haja previsão de revisão do Anexo C, as novas bases financeiras continuam sujeitas aos termos gerais do Tratado de Itaipu, cujas cláusulas determinam que:
- a energia produzida pela usina seja dividida em partes iguais entre os dois países, sendo que a energia que não é utilizada por um país para seu próprio consumo pode ser adquirida pelo outro país nas mesmas condições (Art. XIII);
- cada país se compromete a adquirir o total da potência instalada (pelo qual se assegura a cobertura de todos os custos da Itaipu Binacional) (Parágrafo Único do Art. XIII);
- a energia de Itaipu deve ser comercializada apenas por meio das entidades indicadas por cada país, que são a estatal paraguaia Ande e a estatal brasileira ENBPar, esta última sucessora da Eletrobras desde a sua desestatização em 2022 (Art. XIV); e
- a remuneração de Itaipu deve cobrir o pagamento de royalties aos respectivos países, os custos de serviço definidos a partir de orçamento anual, a remuneração do capital investido, e o pagamento pela energia ‘cedida’ por um país ao outro (Art. XV).
O tema de Itaipu sempre foi extremamente politizado no Paraguai em função da relevância da hidrelétrica para a economia e interesses locais. Basta pesquisar como, ao longo das últimas décadas, e especialmente nas proximidades das eleições paraguaias, nosso vizinho invariavelmente tende a criar narrativas para se colocar em posição de ´vítima´ e de ´explorado´ pelo ´imperialismo´ brasileiro. Mas os fatos demonstram que a usina foi muito benéfica para ambos os países, e– principalmente para o Paraguai.
Considerando os pagamentos de cada país pelos serviços de energia prestados pela Itaipu Binacional e os valores recebidos a título de rendimento do capital, royalties, cessão de energia e ressarcimentos desde 1973 (quando o Tratado foi assinado), constata-se que o Brasil pagou USD 85,7 bilhões, enquanto o Paraguai recebeu USD 5,9 bilhões. Ou seja, o Paraguai recebeu energia e lucrou bilhões com um mero aporte de USD 50 milhões. Apesar disso, as narrativas acima continuam a ser construídas e propagadas.
Nossos diplomatas precisam rechaçar estas falácias com fatos e números no processo de negociação do Anexo C do Tratado de Itaipu visando à redução de custos da usina para beneficiar os consumidores, tanto do Brasil quanto do Paraguai.
A redução da tarifa de Itaipu é um objetivo extremamente viável porque a remuneração da hidrelétrica é definida pelo custo de serviço, que por sua vez é aprovado no orçamento anual da usina e cobrado por meio de tarifa paga pelo Brasil e pelo Paraguai na proporção de suas respectivas potências contratadas.
Historicamente, a maior parte dos custos da Itaipu Binacional foi composta pelas rubricas ‘encargos financeiros de empréstimos e financiamentos’ e ‘amortização de empréstimos e financiamentos’. Em 2021, estes dois componentes de custo somaram o valor de US$ 2,1 bilhões, o que correspondeu a 58% dos custos totais da Itaipu Binacional, como pode ser conferido em detalhes na seção 3.4 de nosso estudo ´Propostas do Setor Elétrico para o Mandato Presidencial 2023-2016´, disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos.
Em 2022, estes custos foram reduzidos em cerca de US$ 600 milhões, o que já permitiu uma diminuição da tarifa da Itaipu Binacional, viabilizando assim a queda da tarifa de repasse de USD 28,07/ kW.mês (em 2021) para USD 24,73/kW.mês (em 2022).
Até o final de 2023 quase toda a dívida será quitada, o que levou a Aneel a estabelecer a tarifa de repasse de 2023 em USD 16,197/ kW.mês. Dos 20 financiamentos listados na Nota Explicativa 14 das Demonstrações Contábeis de 2021 de Itaipu, apenas dois contratos têm prazos de maturação que superam 2023. Isto significa que haverá substancial redução de custos, o que possibilitará substancial redução da tarifa de Itaipu.
No entanto, sabe-se que há lobbies que buscam manter a tarifa de Itaipu elevada para direcionar recursos para outras atividades e finalidades não relacionadas à geração de energia elétrica. É importante que o governo brasileiro se empenhe para assegurar que a queda nos valores do serviço da dívida de Itaipu se traduza em redução efetiva da tarifa de energia para os consumidores finais.
Claudio Sales, Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)