Itaipu: Energia barata ou política cara?
Energia barata ou política cara? Mais uma vez cabe ao governo decidir o caminho a trilhar, especialmente nesse momento, quando a Itaipu Binacional, passados 50 anos, quitou integralmente a dívida, cujo custo, até esse ano, era o maior componente da tarifa de energia.
O Anexo C do Tratado de Itaipu estabelece que é hora de rever “as bases financeiras e de prestação de serviços de eletricidade”, mas destaca que, para isso, tenha-se em conta “o grau de amortização das dívidas contraídas pela Itaipu para a construção da usina”.
O temor é que, ao invés de ater-se a esse princípio que baratearia o custo da energia, o governo continue fazendo política que infla o custo da tarifa de Itaipu que é paga pelos consumidores brasileiros.
Este temor é justificado e há exemplos do passado que o demonstram. Os mais recentes, ambos deste ano, são a destinação de R$ 600 milhões para construção de prédios na Universidade Latino Americana (criada por lei de 2010 como autarquia do Ministério de Educação no segundo governo Lula) e a destinação de R$ 931 milhões para 430 municípios (todos os municípios do Paraná e alguns do Mato Grosso do Sul) desenvolverem projetos de seus interesses (os recursos saem de Itaipu para a Caixa Econômica, que então os distribui entre os projetos).
Outros exemplos são: o de 2007, quando o Brasil assumiu a correção monetária de toda a dívida de Itaipu (governo Lula); e o de 2011, quando triplicou o valor das transferências a título de “cessão de energia” paga pelo Brasil ao Paraguai (governo Lula).
É evidente que iniciativas como essas desfavorecem ao consumidor brasileiro, tanto assim que o próprio governo, para justificá-las, alega que decorrem de pressões diplomáticas impostas pelo Paraguai. Uma das alegações é que essas concessões seriam um mínimo para atender a demandas do Paraguai, que sempre chega à mesa de negociação com inúmeros pleitos.
Isto é verdade, só que são pleitos com argumentação falaciosa, e o que assusta é que nosso governo se omite, dando espaço para que acreditemos que a ele também interessa fazer política com o custo pago pelo consumidor de eletricidade brasileiro.
Em um editorial recente, um jornal paraguaio escreveu que espera que a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu promova a “ratificação política da restituição dos legítimos direitos de nosso país” (tradução livre). Não explica quais direitos seriam esses, muito menos como a alegada “ratificação” seria feita.
Contra essa declaração infundada, opõe-se a realidade dos fatos. O Tratado de Itaipu possibilitou: 1) que Brasil e Paraguai fossem igualmente donos da hidrelétrica que ainda hoje é líder no mundo em produção anual de energia; 2) que a construção da usina fosse integralmente financiada (com garantias dadas exclusivamente pelo Brasil); 3) que 100% da energia de Itaipu fosse contratada pelos dois países na proporção de suas metades; 4) que o país que não tivesse consumo próprio para toda sua energia ceda para o outro que se obriga a comprá-la, viabilizando assim o financiamento da usina; 5) que a tarifa de Itaipu fosse definida pelo custo.
Fazem parte da tarifa definida pelo custo tanto as despesas com o financiamento e com o custo de exploração da usina quanto os repasses – em partes iguais para os dois países – de royalties, rendimento de 12% ao ano do capital inicial (em dólar) e encargos de administração e supervisão. Além desses, a tarifa de Itaipu abriga também o repasse do custo da remuneração por cessão de energia que o Brasil paga ao Paraguai.
Uma vez que cada país (Brasil e Paraguai) paga para Itaipu pela potência/energia que consome e recebe de Itaipu o valor dos repasses a que tem direito, pode-se verificar por meio dos números extraídos da última demonstração contábil de Itaipu (2022) que, desde o início da operação da hidrelétrica até hoje, os consumidores brasileiros pagaram US$ 85,7 bilhões e o Paraguai recebeu US$ 5,9 bilhões líquidos.
É isto mesmo: o que o Paraguai recebeu de repasses foi suficiente não apenas para pagar por toda a energia de Itaipu que conseguiu consumir, mas ainda se tornou receita adicional líquida para irrigar a economia de nosso vizinho que, a despeito desse desequilíbrio a seu favor, insiste na narrativa de que precisa de “restituição de direitos”, na clássica estratégia de vitimização que engana somente a quem se deixa enganar.
Hoje o Paraguai consome cerca de metade da energia de Itaipu a que tem direito. Pelo vigoroso crescimento de sua economia, estima-se que em menos de 10 anos já consumirá integralmente a sua parte. Na perspectiva de longo prazo, lá como cá, prover energia ao menor custo possível é o que faz sentido do ponto de vista social e econômico.
Diante desses fatos, o que se deve esperar do governo brasileiro é uma atuação firme que leve ao menor custo possível para a energia de Itaipu, rechaçando com veemência as argumentações falaciosas, e não apoiando-se nelas para acomodar iniciativas políticas.
Qualquer desfecho diferente desse significa que o consumidor de energia brasileiro pagará caro por uma política que segue na contramão da produção de energia mais barata.
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)