Leilão de eficiência energética: reduzir para ganhar

Data da publicação: 30/07/2020

30/Jul/2020, Revista Brasil Energia

Em tempos de tantos impactos negativos da Covid-19, iniciativas para reduzir o custo da eletricidade são mais do que bem-vindas. Este é o objetivo da Consulta Pública 047/2019 da Aneel, que trata da realização de um inédito Leilão de Eficiência Energética em Boa Vista, capital de Roraima.

O objetivo deste leilão é reduzir o consumo de eletricidade na cidade por meio de medidas como a substituição de equipamentos – por exemplo, lâmpadas e geladeiras – por unidades mais eficientes e a educação ambiental. Serão vencedoras do leilão as empresas que propuserem redução de consumo pelo menor custo em oito lotes de consumidores.

A economia será avaliada comparando-se o consumo dos consumidores abrangidos pelos programas propostos pelos competidores com o consumo de um grupo de controle que não participará do programa. As proponentes vencedoras serão remuneradas pela redução do consumo valorada ao preço estabelecido no certame.

A escolha de Boa Vista como beneficiária do Leilão de Eficiência Energética não é aleatória. Afinal, a cidade é a única capital ainda desconectada do Sistema Interligado Nacional – rede de linhas de transmissão pela qual flui mais de 99% da eletricidade utilizada no Brasil –, o que faz do município um “sistema isolado” composto por termelétricas a óleo diesel, mais caras e poluentes quando comparadas à média brasileira. O custo do combustível utilizado nessas usinas é rateado entre todos os consumidores do país por meio do encargo conhecido como Conta de Consumo de Combustíveis (CCC).

Apenas em 2019, o combustível utilizado nos sistemas isolados de Roraima custou a nós, consumidores brasileiros, cerca de R$ 1,3 bilhão, sendo que a conjuntura econômica vivida na Venezuela tem contribuído para inflacionar este valor. Além da interrupção do fornecimento de eletricidade de uma hidrelétrica venezuelana, a crise provocou intenso fluxo migratório para Roraima, elevando a demanda energética local.

Em 2020, estima-se que a CCC desembolsará pouco mais de R$ 1.000/MWh pela eletricidade utilizada em Roraima, um valor considerado alto para os padrões brasileiros. Como referência, o valor teto estabelecido no edital do Leilão de Eficiência Energética equivale a R$ 600/MWh. Supondo-se, conservadoramente, que a competição no leilão resulte em um deságio médio de 10%, o valor resultante dos programas vencedores será de R$ 540/MWh, ou quase metade do custo de parte da energia consumida em Boa Vista. A novidade é que esta economia, ao invés de advir de uma fonte de energia mais barata, será atingida a partir da redução da demanda de uma energia mais cara.

As regras do Leilão preveem, ainda, a compensação financeira da distribuidora local, “neutralizando assim seu prejuízo, por meio de recursos dos ganhos do sistema e o condicionando à contraprestação dos dados e informações sobre as contas dos consumidores – essenciais para o sucesso do processo”(trecho extraído da Nota Técnica que acompanha a consulta pública).

Esta medida é crucial para preservar o equilíbrio econômico-financeiro da distribuidora, que, em função do menor faturamento decorrente das ações de eficiência, deixaria de receber parte da receita referente à remuneração dos seus ativos e custos operacionais (“TUSD Fio B”, no jargão do setor). Essas despesas, contudo, mantém-se inalteradas mesmo com a redução do consumo de energia e precisam ser cobertas para manter a concessão equilibrada.

O Leilão de Eficiência Energética promovido pela Aneel mostra que é possível desenvolver soluções que desoneram o consumidor e tornam ainda mais limpa a matriz elétrica brasileira sem desequilibrar os contratos de concessão do setor.

Claudio J. D. Sales é engenheiro e presidente do Instituto Acende Brasil

Neste artigo, colaborou Eduardo Müller Monteiro, diretor executivo do Instituto Acende Brasil

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