Mercado de carbono no Brasil: reflexões inconvenientes?
13/abr/2022, O Estado de S. Paulo
O Ministério de Minas e Energia concluiu em fevereiro a consulta pública sobre a proposta para a consideração de benefícios ambientais no setor elétrico com diretrizes para o comércio de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) no formato cap and trade, segundo o qual (a) definem-se o teto de emissões por setor e as metas por agente; e (b) distribuem-se certificados referentes às emissões. Caso os agentes emitam menos que o limite estabelecido, a diferença pode ser vendida.
A partir da consulta pública, deve-se refletir sobre três pontos para que não seja criado um mercado de carbono que não atenderá às necessidades brasileiras:
1. Um comércio de carbono não pode ser limitado a um setor econômico. É indispensável a participação dos setores que mais podem reduzir emissões, como a mudança do uso da terra e a agropecuária, que juntas emitem mais de 70% dos GEEs no Brasil.
2. Achar que o setor elétrico brasileiro pode reduzir muito suas emissões é um equívoco. A área tipicamente responde por apenas 2% das emissões e os aumentos estão associados à sazonalidade de recursos naturais e à opção feita nos anos 2000, quando abrimos mão de hidrelétricas com reservatórios. Atualmente, quando faltam recursos naturais para gerar eletricidade, é necessário acionar termoelétricas a combustíveis fósseis.
3. Deve haver pragmatismo na distribuição de certificados e na adicionalidade da redução de emissões.
A distribuição de certificados é feita para os emissores de GEEs juntamente com as metas de redução. No setor elétrico, é importante registrar que eles serão concedidos às termoelétricas fósseis, que poderão comercializar certificados se substituírem seu combustível por outros com menor emissão. É bom lembrar que, além de reduzir emissões, outros atributos – como sazonalização e confiabilidade – precisam ser garantidos, e é por isso que as termoelétricas desempenham papel relevante na operação do setor elétrico.
Quanto à adicionalidade, o desafio em uma matriz elétrica como a nossa, que já possui 80% de fontes renováveis, é manter essa participação. Isso implica que a expansão da oferta aqui precisará vir de, no mínimo, 80% de renováveis, um desafio – ironicamente – maior do que em países que partem de níveis muito menores dessas fontes.
Os pontos acima evidenciam a necessidade de reflexão abrangente e profunda porque o mercado de emissões brasileiro é muito diferente na origem e, portanto, sua construção precisa considerar essas particularidades.
Claudio J. D. Sales e Alexandre Uhlig são, respectivamente, Presidente e Diretor de Assuntos Socioambientais e Sustentabilidade, do Instituto Acende Brasil.