O ‘sumiço’ do gás

Data da publicação: 26/12/2011

O último leilão de energia elétrica de 2011, realizado em 20 de dezembro, foi marcado pela ausência de termelétricas a gás natural, opções importantes para a robustez operacional do sistema. A ausência se deve à repentina falta de gás alegada pela Petrobras.

A indisponibilidade repentina causou surpresa. No leilão realizado três meses atrás, a Petrobras se comprometia a fornecer gás natural para sete usinas termelétricas, das quais somente uma usina, da própria estatal, foi contratada. Portanto, a Petrobras deveria dispor de gás natural.

Termelétricas têm um papel “estabilizador” do sistema porque atuam em complementariedade a outras fontes como hidrelétricas, eólicas etc. Com a decisão governamental (ainda controversa) de não permitir usinas a carvão, a expansão e complementação termelétrica passa a depender de usinas a gás natural. Mas, com o desfalque da Petrobras, tal opção deixa de existir.

Além da perda de robustez, os consumidores perdem os benefícios de uma conta de luz que poderia ser mais barata se não tivesse sido excluído do leilão um bloco grande de competidores que aumentariam a concorrência.

A justificativa da Petrobras para o “sumiço” do gás é baseada na alegação de que ela não pode atender às exigências de comprovação da disponibilidade de gás estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia. Se este é o motivo, teria a Petrobras agido de forma temerária, três meses atrás, ao comprometer-se com o fornecimento de gás, durante 20 anos, para sete termelétricas?

A recusa de fornecimento é prerrogativa empresarial, mas pode ser contestada pelas autoridades de defesa da concorrência quando empregada para prejudicar a competição. E certamente não é condizente com uma estatal que vem advogando para si a responsabilidade de desenvolver o setor em prol do interesse público, bem no estilo do “deixe que eu faço”.

Com esse argumento a Petrobras tem sido agraciada com vários privilégios. A “Lei do Gás” de 2009 concedeu prazo de dez anos para exploração em caráter exclusivo dos gasodutos existentes, mantendo por esse período o monopólio que, na prática, a Petrobras exerce. A lei ainda isentou as instalações de tratamento, processamento, regaseificação e liquefação de gás natural da obrigação de prover acesso a terceiros. E a “Lei do Pré-Sal” perpetuou o domínio da estatal ao estabelecer que a Petrobras seja operadora de todos os blocos de exploração da “área do pré-sal”.

Para a Petrobras esta frustração da oferta de gás talvez não passe de um detalhe no seu plano de negócios bilionário. Mas o que a estatal negligencia hoje pode tornar-se seu maior desafio no futuro, quando os brasileiros perceberem que seus anseios, como consumidores ou como acionistas, não estão sendo atendidos. Privilégios implicam responsabilidades. Principalmente quando tais privilégios são concedidos com base na fluida argumentação de defesa do interesse público.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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