Ultrapassando os limites da insensatez
Todos sabemos que o Brasil precisa de energia elétrica para sustentar seu crescimento econômico e atender à demanda da população, que deseja ter acesso a bens eletroeletrônicos que lhes proporcionam conforto e, em muitas situações, aumento da renda das famílias.
Para que essa demanda seja atendida, anualmente o País precisa acrescentar novas usinas à sua matriz elétrica. É bom lembrar que, em 2023, 90% da eletricidade foi produzida a partir de fontes renováveis, o que é motivo de inveja por parte das maiores economias do mundo, que estão quebrando a cabeça para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Em média, a emissão de GEE dos países para gerar eletricidade representa 32% das emissões totais, enquanto no Brasil elas representam apenas 1% do total das emissões. Aqui no nosso país, 84% do desafio das emissões de GEE é imposto por três outros setores: o desmatamento ilegal, a agropecuária e o setor de transportes respondem por 48%, 27% e 9% das nossas emissões, respectivamente.
Fica evidente, portanto, onde os esforços de redução das emissões de GEEs deveriam estar concentrados. É difícil entender por que o setor de energia recebe tanta atenção quando responde por apenas 1% do problema.
Por outro lado, a massiva inserção de renováveis traz desafios para o sistema elétrico, e mantê-lo funcionando adequadamente a um custo razoável está cada vez mais difícil. Em um sistema com muita geração renovável, a energia pode não estar disponível no momento que o sistema elétrico requer, e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisa colocar em funcionamento fontes sob as quais ele tem total controle (as chamadas usinas “despacháveis”), uma vez que usinas eólicas e solares não são controláveis, pois dependem da disponibilidade instantânea de vento e sol.
É por esse motivo que o País passou a precisar de uma nova modalidade de leilão de energia, os leilões de reserva de potência. Nesses leilões são contratadas usinas que podem fornecer energia para o sistema em um curto intervalo de tempo, mas não é qualquer usina que possui essa característica. As usinas que fornecem “potência” mais convencionais são hidrelétricas com reservatórios, termelétricas (a gás natural, óleo combustível ou óleo diesel) e sistemas que armazenam energia, como as baterias. Os leilões definirão as usinas mais competitivas para fornecer esse “tipo” de energia.
Mas a participação nos leilões exige uma etapa anterior: o licenciamento ambiental. Nessa etapa, os empreendimentos têm a sua viabilidade ambiental verificada por um órgão ambiental. São realizados estudos e organizadas audiências públicas tanto para ouvir a população sobre as dúvidas e incertezas que envolvem o projeto quanto para proporcionar ao órgão ambiental uma oportunidade de apresentar à sociedade as características do empreendimento.
Os empreendimentos que geram energia possuem impactos socioambientais, mas geram empregos, renda e arrecadação de impostos para região. Cabe ao órgão ambiental avaliar se os impactos positivos provocados pelo empreendimento são maiores que os negativos, e para isso existe um longo processo do qual fazem parte as audiências públicas.
É aqui que os problemas se agravam com a insensatez e a truculência de alguns grupos de pressão. Lamentavelmente, algumas organizações buscam manipular pessoas e atravancar os rituais de forma violenta para impedir que a sociedade discuta os projetos de energia.
Nos dias 2 e 4 de julho, em Caçapava e São José dos Campos, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) organizou audiências públicas para apresentar e discutir o licenciamento ambiental da Usina Termelétrica São Paulo, uma termelétrica que busca a licença ambiental para participar do leilão de reserva de potência, mas a baderna promovida por alguns participantes barulhentos impediu sua realização.
O processo de licenciamento ambiental, e em particular as audiências públicas, serve para discutir o projeto. Impedir sua organização é um desrespeito e uma violência às pessoas que foram até o local para ouvir e opinar sobre o empreendimento.
Audiência públicas são ferramentas de participação popular valiosas para colher subsídios e informações, além de oferecer aos interessados a oportunidade de, democraticamente, encaminhar seus pleitos e suas preocupações, opiniões e sugestões.
No entanto, é necessário garantir o diálogo, algo que definitivamente não ocorreu nos dias 2 e 4 de julho. Pelo contrário: a truculência dos baderneiros impediu que: (1) o empreendedor apresentasse o projeto; (2) a consultoria ambiental expusesse o Estudo de Impacto Ambiental (EIA); (3) e o Ibama ouvisse a sociedade.
Impedir a realização das audiências públicas é uma violência que desrespeita os direitos dos cidadãos interessados e comprova a total ignorância – ou má fé – sobre o rito adotado pelas autoridades ambientais para analisar a viabilidade ambiental do empreendimento.
Aliás, atrapalhá-las não impede a continuidade do processo de licenciamento ambiental. Na prática, além do desperdício de tempo e dinheiro, perdeu-se uma grande oportunidade para entender melhor os impactos, as soluções adotadas e os benefícios do empreendimento para a região e para o setor elétrico nacional.
É fundamental que as pessoas que impedem a realização de atividades públicas sejam investigadas e responsabilizadas pelos seus atos. O Ministério Público e a Justiça devem garantir aos cidadãos o direito de se expressar de forma pacífica e organizada para que o Ibama realize seu trabalho sem comprometer o andamento do processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos.
Um país só será genuinamente democrático quando os direitos e deveres dos cidadãos forem respeitados e as diferenças de opiniões, garantidas sem violência.
Por Alexandre Uhlig e Claudio Sales (Diretor de Sustentabilidade e Presidente do Instituto Acende Brasil)