Os elefantes brancos do Rio Madeira

Data da publicação: 11/04/2006

O que o leitor diria se lhe apresentassem um projeto orçado em R$ 18 bilhões? No mínimo, imagino, pediria mais detalhes, certo? E se esse orçamento não passasse de uma estimativa feita por uma empresa do governo, em parceria com uma empreiteira, que fatura mais quanto maior for o custo da obra?

E se dissessem, ainda, que o orçamento se refere apenas à (estimativa da) construção da usina e que não foram cotadas, por exemplo, as despesas com as linhas de transmissão, sem as quais a energia produzida não pode ser levada até as residências, fábricas e demais centros consumidores?

Pois esse é o caso do complexo de usinas do Rio Madeira, escolhido como prioridade pelo governo para “solucionar” o problema de oferta de energia elétrica a partir de 2010. A obra, estimada em R$ 18 bilhões, entregaria uma potência instalada de 6.400 MW. O projeto iria a leilão ainda no primeiro semestre, com início das obras no final do ano. Entraria em operação parcial a partir de 2009. Isso significa dizer que o consumidor contará com essa energia a partir daquele ano.

Concebida para durar seis anos, a obra vem sendo comemorada por fornecedores de equipamentos, empreiteiras, políticos e empresários locais como fontes de encomendas e de receitas por pelo menos 10 anos. Eles têm experiência suficiente para saber que projetos faraônicos como esse, comandados por estatais, sempre ultrapassam, em muito, os custos e os prazos iniciais.

Estudo desenvolvido pelo The World Comission on Dams (WCD) sobre o complexo de Tucuruí, por exemplo, revela a realidade por trás de orçamentos desenvolvidos em “parcerias” de estatais e empreiteiras: o orçamento inicial apresentado pela estatal Eletronorte para a sua construção, em 1974, era de US$ 4,2 bilhões, dos quais US$ 3,6 bilhões em custos de construção e US$ 0,6  bilhão em juros. Em 1986 passou para US$ 7,5 bilhões, dos quais US$ 2 bilhões apenas em juros incorridos por causa dos atrasos. Um aumento absoluto de 77% em relação aos custos originais. Considerando-se o acréscimo de potência entre a fase inicial e a final (de 3.040 MW para 4 mil MW), um aumento relativo de 35%. Foram, ainda, necessários outros US$ 1,3 bilhão em linhas de transmissão para conectar a usina ao sistema, sem considerar os juros envolvidos.

O que justifica apostar tantas fichas (ou R$ 18 bilhões de fichas, somados a tantos outros bilhões para as linhas de transmissão) num projeto que não tem todos seus custos definidos? Por que acelerar uma decisão tão importante? Espero que não tenha nada que ver com o calendário eleitoral!

Estaremos retrocedendo ao modelo adotado na década de 70, onde o futuro do setor era decidido por generais do governo? Se a racionalidade e a transparência forem respeitadas, esse projeto  não pode ser licitado antes de cumpridas algumas etapas.

Em primeiro lugar, dizer que o Brasil precisa, agora, do projeto e que ele é a solução mais racional é faltar com a verdade. Aguardam na fila para serem licitadas 23 usinas menores que totalizam

5.300 MW de potência instalada. Várias delas já têm licenças ambientais prontas e, portanto, embutem menor risco ambiental e menor risco de atraso na conclusão das obras. Essas usinas só têm um “defeito”: seus estudos não têm sido liderados por estatais nem têm sido custeados exclusivamente por empreiteiras.

Em segundo lugar, é inaceitável que se inicie um projeto, qualquer projeto de energia, sem que sejam explicitados e incorporados os custos de transmissão rasa (para conectar as usinas ao sistema interligado) e da transmissão profunda (para realizar os reforços necessários no sistema). Sem isso, o preço da energia do Rio Madeira estará distorcido por ignorar o custo extremamente relevante associado ao transporte da energia gerada por mais de 2 mil quilômetros até os centros de consumo. Em 1999 o consumidor pagava R$ 5,80 numa conta de R$ 100 para cobrir os custos de transmissão. Hoje, paga mais de R$ 9. Um aumento superior a 50%. A “tarifa escondida” da transmissão está com seus dias contados.

O açodamento com que o projeto tem sido conduzido na reta final do atual governo gera muitas perguntas que ainda não foram respondidas. A desfaçatez em relação a outras soluções mais simples – que não envolvem estatais e não geram dividendos políticos – é preocupante e nos coloca em estado de alerta.

Os interesses econômicos e políticos que se vêm movimentando ao redor desse empreendimento precisam ficar mais transparentes. Tudo indica que estão esquecendo o interesse daquele que pagará a conta quando todos os custos reais aparecerem: o consumidor.

 

Claudio Sales é presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE). E-mail: claudio.sales@cbiee.com.br. Homepage:www.cbiee.com.br

Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil