Projetos estruturantes e respeito aos cofres públicos

Data da matéria: 08/02/2006

Ano de eleição. Pressões e interesses se intensificam e governos aceleram suas ações para aumentar visibilidade junto a bases eleitorais. Grupos defensores – em alguns casos dependentes

– de obras governamentais investem seus melhores esforços para viabilizar a qualquer custo projetos “estratégicos”, “estruturantes”, “de interesse nacional”.

Rodovia Transamazônica e Usina Hidrelétrica de Balbina. Exemplos clássicos de iniciativas estatais que combinam megalomania irresponsável e desrespeito aos cofres públicos. O primeiro consumiu mais de US$ 12 bilhões e apenas 150 dos 5 mil km têm condições de tráfego. O segundo, uma afronta ao meio ambiente e à eficiência econômica, inundou uma área de 2,360 km² para uma potência nominal instalada de 250 MW. Como base de comparação: são 9,4 km²/MW em Balbina contra 0,7 km²/MW na usina de Rosana, de porte similar (320 MW).

O governo está apostando no complexo de usinas do Rio Madeira como solução para a oferta de energia elétrica a partir de 2010. De acordo com declarações oficiais, o projeto irá a leilão ainda no primeiro semestre, e as obras serão iniciadas no final de 2006 e concluídas em “cerca de seis anos”, com operação parcial a partir de 2009. O custo de construção é estimado em US$ 5,6 bilhões para uma potência total instalada de 6.400 MW (com 4.300 MWmédios).

Um estudo desenvolvido pelo WCD (1) sobre o complexo de Tucuruí aponta números que despertam a atenção: o orçamento inicial apresentado pela estatal Eletronorte para a sua construção, em 1974, era de US$ 4,2 bilhões, dos quais US$ 3,6 bilhões em custos de construção e US$ 0,6 bilhão em juros. A área inundada seria de 1.630 km².

Após uma série de revisões, o custo real em 1986 passou para US$ 7,5 bilhões, dos quais US$ 2 bilhões apenas em juros incorridos por causa dos atrasos. Um aumento absoluto de 77% em relação aos custos originais. Considerando-se o acréscimo de potência entre a fase inicial e a final (de 3.040 MW para 4 mil MW), um aumento relativo de 35%. Além desse montante, foram necessários outros US$ 1,3 bilhão em investimentos nas linhas de transmissão para conectar a usina ao sistema, sem considerar juros envolvidos. A área inundada real foi de 2.850 km², 74% superior à prevista.

Não pode haver preconceito contra medidas que ajudem a expandir a geração de energia. O crescimento econômico exige permanentes esforços para afastar a ameaça de racionamento.

No entanto, a sociedade moderna exige transparência e racionalidade na seleção e implantação dos empreendimentos. Transparência expressa no processo licitatório, nas premissas adotadas para as variáveis ambientais, no cronograma de obras e nos custos totais envolvidos. Porque  todos esses fatores são cobrados no futuro de uma ou outra forma: na falta de energia ou no aumento da tarifa final para o consumidor. Às vezes, na combinação perversa das duas.

Os custos de transmissão, por exemplo, devem ser comunicados de forma clara e completa. No caso do complexo do Rio Madeira, tão importante quanto saber o custo de geração de energia é saber qual o custo de expansão da transmissão rasa (para conectar as usinas ao sistema interligado) e da transmissão profunda (para realizar os reforços necessários no sistema).

Apostar num único projeto para suprir a demanda de energia a partir de 2011 preocupa os especialistas. É necessário realismo das autoridades em relação aos obstáculos ambientais e técnicos inerentes à construção de usinas de grande porte como as do Rio Madeira. Porque esses obstáculos implicam atrasos ou aumento de custos que comprometem o abastecimento e o preço da energia.

Projetos de grande porte podem ser econômica e ambientalmente viáveis. Mas viabilidade aqui não é um conceito abstrato ou subjetivo. Viabilidade é um conceito objetivo, baseado na competição com outras opções. O empreendimento precisa ser mais eficiente que outros de menor porte que aguardam na fila. E há uma lista de usinas adiantadas em termos técnicos e ambientais que, pela lógica, deveriam ser leiloadas antes das usinas do Rio Madeira. Por serem menores, embutem menor risco técnico, menor risco ambiental e menor impacto na rede de transmissão.

Não é aceitável que, por motivações políticas, alguns projetos “furem a fila” e inviabilizem outros que beneficiariam o consumidor com menor custo e maior segurança de oferta.

A vez do complexo do Rio Madeira chegará. Talvez esse ano. Ou não.

Claudio Sales é presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica. A CBIEE representa os 16 maiores investidores privados, responsáveis por 66% da distribuição e 28% da geração de energia no país. (claudio.sales@cbiee.com.br)

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