Reguladores frouxos ou interesses inconfessáveis?
Têm sido cada vez mais frequentes questionamentos e acusações partindo de políticos sobre o controle das agências reguladoras, com frases como “as agências agem como se estivessem acima da lei”, “ninguém regula os reguladores”, e “as agências atuam como bem entendem, sem prestar contas a ninguém e sem fiscalização”.
Estes questionamentos e acusações não refletem a realidade. A Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848/2019) prevê que as agências reguladoras devem perseguir fielmente os objetivos explicitados no seu plano estratégico quadrienal (art. 17). Tal plano estratégico deve ser compatível com o disposto no Plano Plurianual (PPA), que é elaborado pelo Poder Executivo no início de cada mandato presidencial, e apreciado pelas duas casas do Congresso Nacional, conforme previsto nos artigos 84, 165 e 166 da Constituição Federal.
Além disso, o plano estratégico de cada agência reguladora deve ser traduzido em planos de gestão anuais, contendo as ações planejadas para aquele ano e a especificação de metas de desempenho administrativo, operacional e de fiscalização (art. 18 e 19).
A fim de assegurar a transparência e o controle social, a Lei também prevê que cada agência reguladora deve elaborar um relatório anual circunstanciado de suas atividades para o atendimento do seu plano estratégico. A Lei Geral das Agências Reguladoras prevê ainda o controle externo pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas da União (art. 14 e 15).
Portanto, se houver honestidade intelectual não há que como dizer que as agências reguladoras estejam livres de controle social.
Na verdade, a alegada preocupação com “controle social” parece acobertar reiteradas iniciativas de alguns parlamentares para tutelar e constranger as agências reguladoras. Em 2023, houve a proposta de que os atos normativos das agências reguladoras deveriam ser submetidos a um conselho, aprovado pelo Congresso Nacional, com representantes dos ministérios entre outros (emenda 54 à Medida Provisória 1.154), o que efetivamente acabaria com a independência das agências reguladoras e as submeteria a interferências políticas.
A mais recente iniciativa é uma proposta de emenda constitucional atribuindo competência exclusiva à Câmara dos Deputados para “acompanhar e fiscalizar” os atos normativos das agências reguladoras, e atribuindo às comissões da Câmara dos Deputados a prerrogativa de prescrever as “providências necessárias ao exato cumprimento da lei” e os prazos para a sua implementação (PEC 42/2024). Esta é mais uma tentativa de submeter as agências ao atendimento dos interesses de curto prazo de parlamentares.
O apetite dos parlamentares para se engajar na minúcia da regulamentação setorial é preocupante e desalentador, principalmente à luz da vasta gama de comportamentos intervencionistas de nossos congressistas nos últimos anos. Na sua grande maioria, os parlamentares não demonstram interesse para entender as complexas questões envolvidas na formulação de boas políticas públicas. A motivação principal de alguns congressistas é alavancar o seu poder de barganha em um “toma-lá-dá-cá” que prevalece nos corredores do nosso Congresso Nacional. É isto que explica a aprovação de tantos jabutis na legislação do setor elétrico, jabutis que têm favorecido lobbies às custas da grande maioria da população brasileira.
Mas os ataques às agências reguladoras não se restringem aos parlamentares. Políticos em cargos chaves do Poder Executivo também atacam recorrentemente as agências reguladoras. O Ministro de Minas e Energia aproveita cada queda de suprimento de energia para denegrir a imagem da Aneel e das concessionárias. O Ministro também se queixa da demora para a tomada de decisões, ignorando seus próprios atrasos, como no caso da apresentação do orçamento do programa de universalização para inclusão na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) dois meses após o prazo estipulado pelo Decreto 9.022, mas não vê a asfixia do orçamento da Aneel, provocado pelo contingenciamento de 72% dos recursos que são cobrados todos os meses dos consumidores de energia por meio de um encargo embutido na conta de luz (a TFSEE) para financiar a agência reguladora. Também não enxerga problema em manter 29% dos cargos da Aneel vagos – inclusive de diretores da Agência –, corroborando para a falta de agilidade que é apontada quase todos os dias pelo Ministro.
Grande parte deste ruído é incitado pela politização das agências reguladoras, resultante da indicação de apadrinhados fiéis em vez das pessoas mais competentes para os cargos de diretoria. Este critério de seleção de diretores incita comportamentos mesquinhos, discórdia e decisões que fogem do recomendável padrão técnico.
O antídoto para isto seria uma sabatina “de verdade” feita pelo Senado Federal: os membros da Comissão de Infraestrutura do Senado, que têm essa prerrogativa por lei, deveriam bloquear candidatos paraquedistas e apadrinhados políticos, selecionando profissionais com conhecimento técnico, maturidade, capacidade de gestão e isenção.
Mas com base no que as manchetes têm trazido sobre as disputas entre os políticos para ver quem tem o direito de indicar os diretores das agências reguladoras, talvez essas sabatinas técnicas não interessem aos senadores. A impressão que fica é que o que menos importa é o perfil e o preparo dos candidatos. O que importa mesmo é qual candidato tem o maior “apoio político”, contratando para o futuro decisões impregnadas do risco de defesa de interesses inconfessáveis.
Richard Hochstetler, Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)