Rentabilidade de elétricas voltando ao horizonte?
Anúncios sobre rentabilidade de empresas elétricas despertam muita atenção e, frequentemente, muitas paixões. Mesmo quando deixamos de lado os aspectos mais ideológicos que surgem ao se mencionar a palavra “lucro”, permanece sempre uma dúvida técnica: qual o melhor indicador para se avaliar se uma empresa ou um setor econômico está entregando rentabilidade adequada para seus acionistas, para a sociedade e para os governos? A resposta é simples: depende do tipo de empresa e de setor.
No caso de setores de infraestrutura, o cuidado mais importante ao se interpretar a rentabilidade envolve lembrar que esses setores são muito intensivos em capital e, portanto, um lucro de X bilhões de reais não pode ser avaliado sem antes sabermos quantos Y bilhões de reais foram investidos para propiciar o lucro obtido. Esse tipo de perspectiva não é revelado por indicadores mais conhecidos e intuitivos como Lucro Líquido.
Daí surge a importância do conceito de EVA (“Economic Value Added” em inglês, ou Valor Econômico Adicionado), métrica que é capaz de medir o valor econômico agregado acima do capital investido. Em outras palavras, o EVA é positivo se o retorno sobre o capital investido for superior ao custo de capital alocado na atividade. Em setores regulados, a expectativa de longo prazo é que o EVA, em média, flutue ao redor de zero, indicando um retorno sobre capital compatível com o custo de capital.
A fim de capturar o impacto da intensividade de capital sobre a rentabilidade de empresas do setor elétrico, acabamos de concluir a 5ª. edição do estudo desenvolvido pela KPMG e pelo Instituto Acende Brasil com o objetivo de estimar o EVA das empresas elétricas brasileiras a partir dos demonstrativos de resultado publicados entre 2017 e 2021, uma vez que os dados de 2022 só estarão disponíveis a partir de abril de 2023.
O estudo reflete o desempenho econômico de uma amostra de 47 empresas – 29 distribuidoras, 4 transmissoras, 10 geradoras e 4 geradoras/transmissoras – selecionadas a partir de um universo de 93 empresas que tinham dados disponíveis para todos os 5 anos do horizonte de análise.
Além da amostra de empresas e do horizonte de análise, outra escolha importante para se estimar o EVA é o custo de capital. A fim de fugir de controversas e permitir transparência e reprodutibilidade dos cálculos, adotamos como “proxy” do custo de capital o custo de capital regulatório (WACC regulatório) adotado pela Aneel para definir a tarifa: (a) de geradoras cotistas; (b) de transmissoras; e (c) de distribuidoras. Parte-se do WACC real definido e a inflação projetada para o ano para se obter o custo do capital nominal, que é então contraposto ao retorno sobre capital investido para se obter o EVA. A metodologia do estudo é detalhada no documento: www.acendebrasil.com.br/estudos.
Os resultados desta 5ª. edição do estudo requereram doses extras de cuidado e de análise para uma interpretação robusta porque, conforme apontado na Tabela 1 abaixo, no ano de 2021 houve desvio significativo entre a inflação projetada e a inflação efetiva do ano.
Tabela 1 – Inflação projetada e inflação efetiva
Inflação Projetada | Inflação Efetiva (IPCA) | Diferença entre Inflações (Projetada – Efetiva) |
|
2017 | 4,00% | 2,95% | 1,05% |
2018 | 3,77% | 3,75% | 0,02% |
2019 | 3,50% | 4,31% | -0,81% |
2020 | 3,24% | 4,52% | -1,28% |
2021 | 3,18% | 10,06% | -6,88% |
Por causa dessa discrepância, o EVA calculado a partir da inflação projetada também se distanciou do EVA calculado a partir do IPCA efetivamente constatado em 2021 de forma muito mais acentuada do que em anos anteriores (Tabela 2):
Tabela 2 – EVA com inflação projetada x EVA com inflação efetiva
R$ bilhões | EVA com Inflação Projetada | EVA com Inflação Efetiva | Diferença entre EVAs (Projetado – Efetivo) |
2017 | -18,2 | -13,6 | -4,7 |
2018 | -20,0 | -19,9 | -0,1 |
2019 | -10,6 | -14,7 | 4,1 |
2020 | +1,9 | -4,3 | 6,2 |
2021 | +24,4 | -13,7 | 38,1 |
Total | -22,5 | -66,2 | 43,6 |
De forma consolidada, portanto, temos um EVA total para a janela de 2017 a 2021 que sai de R$ 22,5 bilhões negativos para R$ 66,2 bilhões negativos, uma diferença de R$ 43,6 bilhões de EVA negativo. A partir desses resultados, algumas conclusões e reflexões podem ser apontadas.
Em primeiro lugar, o impacto de um surto de inflação inesperada sobre o cálculo do EVA é enorme. Tome-se, por exemplo, o ano de 2021: o EVA desse ano computado com a inflação projetada teria sido positivo (+ R$ 24,4 bilhões), mas quando se considera a inflação efetiva, o EVA passou a ser negativo (- R$ 13,7 bilhões). Isso demonstra as distorções que variações inesperadas da inflação podem ocasionar e reforça a importância de se manter a inflação controlada. Se o IPCA de 2021 não tivesse disparado para 10,06% – frente a um IPCA projetado de 3,18%, de acordo com a pesquisa Focus do Banco Central – essa disparidade não teria acontecido com tanta força, conforme demonstram os anos anteriores (2017 a 2020).
Em segundo lugar, vejamos o outro lado da moeda: se pensarmos em cenários futuros de inflação retornando a patamares mais próximos da meta, podemos inferir uma recuperação da rentabilidade no setor elétrico. Isso teria acontecido com base no EVA calculado a partir da inflação projetada, que mostrou uma tendência positiva – apesar de teórica – a partir de 2020, com EVAs anuais que teriam saído do território negativo e teriam passado a ser positivos (compensando parcialmente os resultados negativos dos anos anteriores).
A correta estimação e interpretação da rentabilidade no setor elétrico ainda envolve grandes desafios técnicos e de comunicação, mas o arcabouço regulatório que tem sido desenvolvido e a equipe de técnicos da Aneel que tem sido formada nas últimas décadas têm condições de enfrentá-los, viabilizando assim a atração de investimentos de longo prazo.
* Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br). Paulo Guilherme Coimbra e Laryssa Ferreira são Sócios de Corporate Finance da KPMG (www.kpmg.com.br)