Serviços Ancilares: auxiliares, mas indispensáveis

Data da publicação: 14/04/2022

14/abr/2022, Canal Energia

Os serviços ancilares do setor elétrico não podem ser menosprezados pois, apesar da nomenclatura, eles são essenciais para assegurar o suprimento de energia elétrica.

No entanto, a provisão adequada dos serviços ancilares requer o aprimoramento da regulamentação, pois o quadro regulatório vigente não reflete adequadamente os custos e não proporciona incentivos adequados para a provisão destes serviços.

A mobilização para o aperfeiçoamento da regulamentação foi iniciada em agosto de 2019 com um workshop promovido pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e com a Tomada de Subsídios 06/2019 da Aneel. E, em março de 2022, a Aneel recebeu as contribuições para a primeira fase da Consulta Pública 83/2021, cujo objetivo é a revisão de alguns aspectos do processo de contratação de serviços ancilares.

Essas iniciativas são boas, mas muito mais precisa ser feito, pois a demanda por serviços ancilares aumentará substancialmente nos próximos anos. Essa demanda crescente decorre de mudanças na configuração do sistema elétrico, com destaque para três fatores que impulsionam a necessidade de serviços ancilares:

(i) Há uma parcela crescente de geração que é inflexível, seja devido: às restrições tecnológicas da usina; à inflexibilidade no fornecimento do combustível; ou às restrições impostas às hidrelétricas considerando os outros usos dos recursos hídricos. Essa inflexibilidade reduz a capacidade do parque gerador para ajustar a sua produção às variações de demanda, concentrando os ajustes em um conjunto proporcionalmente cada vez menor de usinas.

(ii) Tem havido uma ampliação da proporção da energia proveniente de fontes não controláveis, como eólica e solar. Essas fontes adicionam complexidade à operação do sistema, pois sua produção varia em função da disponibilidade da fonte energética, tornando-se uma nova fonte de aleatoriedade que precisa ser equacionada.

(iii) A rede básica de transmissão passou a contar com uma série de linhas de transmissão de ultra-alta tensão em corrente contínua. Essas linhas configuram uma solução eficiente para trazer a energia produzida por grandes usinas localizadas a milhares de quilômetros dos centros de carga com minimização de perdas técnicas na transmissão e dos custos de investimento nas instalações, mas elas introduzem novos desafios operativos. As subestações inversoras que convertem a corrente alternada em corrente contínua – e vice-versa na outra ponta – são suscetíveis a falhas de comutação que podem ocasionar blecautes de grandes proporções. Essas falhas de comutação podem ser encadeadas por distúrbios no sistema de corrente alternada, o que reforça a demanda por serviços ancilares a fim de minimizar a probabilidade de ocorrência de falhas de comutação desencadeadas por instabilidades na rede.

Para fazer frente a esses novos desafios é necessário robustecer a oferta de serviços ancilares, o que envolve tanto uma revisão dos processos para identificação dos serviços requeridos (com a possível redefinição do conjunto de serviços ancilares) quanto o estabelecimento de mecanismos para a aquisição e remuneração destes serviços.

Atualmente, a remuneração de alguns serviços ancilares está muito defasada. A oferta adequada destes serviços exigirá que a remuneração oferecida pela sua prestação seja pelo menos suficiente para cobrir o custo de oportunidade do agente que oferta o serviço. Na medida que a prestação desses serviços ancilares implica redução do montante de energia ativa que o gerador pode ofertar no mercado, é importante que a remuneração dos serviços ancilares seja pelo menos igual à receita que seria obtida com a comercialização da energia ativa que deixou de ser disponibilizada ao prover os serviços ancilares.

A maioria desses serviços ancilares pode ser prestada por diversas tecnologias de geração. A regulamentação vigente prevê remunerações diferentes para o mesmo serviço ancilar em função da tecnologia empregada. A remuneração atual, portanto, não assegura que a oferta de serviços ancilares advenha das fontes aptas a ofertá-las ao menor custo global, o que resulta em ineficiências da perspectiva sistêmica. Além disso, serviços ancilares podem ser prestados por consumidores que estejam aptos a ajustar o seu consumo em tempo ágil por meio da reposta da demanda.

A fim de se promover a oferta de serviços ancilares ao menor custo global é importante que o processo de aquisição desses serviços ancilares seja pautada pelos requisitos do sistema, viabilizando a aquisição do serviço de forma “tecnologicamente neutra” pelas fontes que puderem atender à demanda ao menor custo ao sistema.

Esses objetivos – assegurar a cobertura dos custos de oportunidade do prestador do serviço ancilar e promover uma concorrência ampla entre todas as fontes – são mais bem atendidos com a adoção de mecanismos de mercado. Mecanismos de mercado permitem uma concorrência ampla entre todos os agentes aptos a prestar o serviço, o que assegura a minimização do custo global de ofertar o serviço.

Adicionalmente, quando se estabelece a remuneração pela prestação dos serviços ancilares a partir de lances de oferta submetidos pelos agentes, assegura-se a cobertura dos seus respectivos custos de oportunidade, oferecendo as condições necessárias para a participação de todos os agentes aptos a prover o serviço.

Deve-se ter em mente, no entanto, que a delimitação dos serviços ancilares e o estabelecimento dos mecanismos de mercado para a sua aquisição não são simples. Trata-se de um tema multidisciplinar que requer um avançado conhecimento técnico de sistemas de potência para definir os diversos serviços ancilares a serem adquiridos. Também requer conhecimento da Teoria de Jogos para modelar mecanismos de mercado eficientes.

Dada essa complexidade, é compreensível a dificuldade enfrentada na proposição de soluções para assegurar a provisão dos serviços ancilares. Mas é muito importante que se avance no desenvolvimento de soluções para a provisão desses serviços o quanto antes para que, mais à frente, quando a demanda por esses serviços ancilares se tornar mais aguda, já haja um arcabouço eficaz para assegurar a provisão destes serviços ancilares.

Para que este arcabouço seja estabelecido em tempo hábil, é necessário que a Aneel tome a liderança na busca de soluções. Não se espera que a o regulador traga soluções prontas e detalhadas, mas é importante que a agência:

(i) estimule os agentes do setor, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o ONS a proporcionar as informações necessárias para a construção de soluções;

(ii) promova projetos de pesquisa e desenvolvimento que explorem alternativas técnicas diferentes e maximize o fluxo de informações sobre o tema por meio de seminários, tomada de subsídios e consultas públicas;

(iii) paute a discussão regulatória em futuras Consultas Públicas para assegurar a construção de soluções em tempo hábil.

Estas e outras reflexões sobre serviços ancilares fazem parte de nossas contribuições para a Consulta Pública 083/2021 da Aneel e estão disponíveis no site da Aneel e em www.acendebrasil.com.br/estudos.

Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são, respectivamente, Diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil

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