Impostos distorcem as contas
A crise econômica instalada na esteira da pandemia do novo coronavírus evidenciou distorções decorrentes do modelo regulatório da energia elétrica destinado a proteger produtores. distribuidores e regiões e a diluir os riscos dos investidores, alerta o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa.
Mesmo que uma indústria tenha de interromper a produção e desligar suas máquinas, seja pelo isolamento social dos empregados, seja por uma drástica queda de demanda, pelo contrato, terá de continuar pagando a conta de uma energia que permanece no fio. E nesta conta continuam incidindo tributos e encargos estranhos à operação local. “Metade do que sepaga na conta de energia elétrica não tem nada a ver com o consumo de energia”, diz o dirigente. Estudo feito pela consultoria PwC, com base nos balanços das 34 maiores empresas do sistema GID (geradoras, transmissoras e distribuidoras), que representam cerca de 70% de todo o setor, concluiu que a carga tributária e os encargos setoriais corresponderam, em 2018, a 49,8% da receita bruta operacional das empresas. Ou seja, 49,8% da conta de luz. “Para o biênio 20 19-2020, estimamos que o peso ultrapasse 50%”, diz Roberto Correa, sócio da consultoria e auditoria. Em valores, a arrecadação foi de R$ 86,61 bilhões.
“Como o governo não tem condições orçamentárias para assumir essa despesa, a tendência é de aumento contínuoda carga tributária até que se possa rediscutir todo o modelo do setor elétrico”, afirma. De acordo com estudo do Instituto Acende Brasil, a porção referente à energia propriamente dita compõe apenas 25,88% da tarifa que se paga no país. A maior parte (36,91%) deriva dos impostos —os encargos levam outros 12,89%. O transporte da energia drena 22,31% da conta e o subsídio à iluminação pública pega 2,01%. Há ainda o que o presidente da Abrace chama de custo invisível da energia. “Nem tudo o que se gasta com energia está na conta no fim do mês. Os brasileiros gastam duas vezes mais na energia que está nas coisas que eles compram e usam, no frango congelado e na conta do salão de beleza, por exemplo”, diz Pedrosa.Se a energia fosse um item do orçamento familiar do brasileiro, seu peso seria, tomando-se por base os parâmetros do IBGF o segundo item de custo para as famílias, só atrás da alimentação.
A energia elétrica representa, em média, 12% do custo mensal familiar. “Todo esse custo poderia se transformar em produção e emprego. Há indústrias que têm um gasto mensal com energia maior do que com a folha de pagamento”, argumenta Pedrosa. Pelos dados da Abrace, a soma de todos os custos com políticas públicas, taxas e impostos cobrados diretamente nas contas de luz e indiretamente no custo das distorções alcança quase R$ 150 bilhões por ano. “As distorções são tão relevantes que, no ano passado, a despesa com encargos da CDL Conta de Desenvolvimento Energéticos e os impostos gerados por ela equivaleram ao orçamento do programa Bolsa Família, que foi de RS 31 bilhões”, compara o dirigente. Do total de R$ 22 bilhões orçados para a CDL, mais de 95% sairão do bolso dos consumidores. Criada em 2002 para financiar a expansão do setor elétrico, a CDE visava desenvolver os esforços dos Estados. Incentivar a energia renovável e a universalizar o acesso à energia elétrica. Em 2013, a conta aumentou substancialmente, porque o governo incluiu novas fontes de receitas, incorporou novas finalidades às políticas públicas e retirou limites. “Como os custos passaram a ser rateados na proporção do consumo, a fatia arcada pela indústria explodiu”, lembra Pedrosa.Para a entidade representativa dos interesses dos grandes consumidores, a COE tem funcionado para custear políticas públicas que deveriam estar previstas no Orçamento Geral da União.
Como os consumidores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste pagavam mais, em 2016, a Lei 13.360 propôs equalizar as contas de consumidores entre as regiões e redistribuir os pesos das cotas entre os de baixa e alta-tensão até 2030. A porção mais pesada do orçamento para este ano da CDE se destina a subsidiar os combustíveis fósseis para geração térmica em regiões isoladas (RS 7,5 bilhões). Irrigação, aquicultura e rural consomem R$ 3,7 bilhões. Outros RS 3,6 bilhões se destinam a plantas solares e eólicas. A tarifa para a baixa renda absorve RS 2,7 bilhões. E as políticas de universalização, RS 1,1 bilhão. Para reduzir a CDE, os grandes consumidores defendem maior fiscalização e a revisão dos subsídios concedidos. Para Pedrosa, o desconto de no mínimo 50% no uso da rede tanto para quem gera como para quem consome energia solar ou eólica implica distorção grave. “O valor do subsídio pode aumentar, mesmo que a quantidade de energia gerada não aumente. Se a tarifa da distribuidora aumenta, o desconto permanece no mesmo percentual. embora cresça em valor absoluto. Por isso, a conta paga na CEF. também sobe, mesmo que a quantidade de energia gerada seja a mesma”, afirma. Os efeitos da crise sanitária sobre o consumo de energia são diferentes dependendo do setor. No caso dos shoppings centers, foi possível invocar a relativa a evento de “força maior”, prevista em contrato do mercado livre, o que permite a renegociação. No caso das empresas industriais atreladas ao sistema regulado, a hipótese não pode ser contemplada. “Mas, como a crise trazida pelo vírus criou urna conjuntura rara e trágica, será possível a busca de urna flexibilidade”, diz Pedrosa.