Aneel avança com projeto de leilão de eficiência energética
31/Ago/2020, Valor Econômico Online – Há alguns anos em maturação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o leilão de eficiência energética em Roraima está finalmente ganhando contornos para sair do papel. O projeto, inédito no país, entrou em consulta pública no fim do ano passado e o prazo para contribuições se encerra hoje.
A iniciativa pioneira da Aneel propõe uma espécie de “leilão de geração às avessas”. A ideia é contratar projetos que reduzam o consumo de energia elétrica na capital Boa Vista (RR). Para isso, foi proposto o seguinte modelo: a Aneel define um montante de energia que será alvo de redução de consumo, e os participantes competem pelo menor custo para promover essa redução. A princípio, o certame oferecerá oito lotes, sendo um de iluminação pública e sete de projetos “puros” de eficiência energética (troca de equipamentos, instalação de usinas de geração distribuída solar, entre outros).
O caso de Roraima serviria como um primeiro teste para esse tipo de leilão. A intenção é que, no futuro, ele possa ser replicado em outras regiões do país. Pelos planos da Aneel, o edital do certame deve ser lançado até o fim do primeiro semestre de 2021.
Especialistas veem com bons olhos o modelo proposto para o leilão e a iniciativa de fomentar o mercado de eficiência energética no país. O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, destaca o acerto na escolha de Roraima como alvo prioritário para a ação: o Estado é o único desconectado do Sistema Interligado Nacional (SIN) e, por isso, depende importações de energia e da geração local a partir de termelétricas a diesel, com o custo do combustível rateado entre todos os consumidores via encargo da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC).
Sales observa ainda que a situação energética de Roraima se agravou no ano passado, com a interrupção do fornecimento de eletricidade por parte da Venezuela. Ele aponta que o combustível utilizado nos sistemas isolados do estado teve um custo de mais de R$ 1 bilhão em 2019.
Para a coordenadora de Energia do Climate Policy Initiative (CPI), Amanda Shutze, um ponto positivo é que o projeto já traz um método para analisar o impacto das ações implementadas pelos ganhadores. “A metodologia é inovadora dentro do Brasil e até em termos internacionais”, afirma.
Apesar disso, a especialista destaca que as regras do leilão ainda podem ser aperfeiçoadas para evitar riscos dessa primeira experiência. Um estudo desenvolvido pelo CPI alerta para pelo menos três potenciais riscos. Um deles é a “maldição do vencedor”, que ocorre quando o ganhador do leilão arremata um bem acima do preço que ele vale. Nesse caso, o risco seria induzido pelo modelo de envelope fechado, que pode estimular lances mais agressivos para garantir a conquista do lote.
“Esse problema é proporcional ao grau de incerteza associado àquilo que está sendo leiloado. Nesse caso, é o primeiro leilão do tipo e há muita incerteza sobre o custo das ações necessárias para a eficiência energética. Você corre o risco de selecionar aqueles que fizeram contas erradas ou que estavam muito otimistas”, explica Juliano Assunção, diretor executivo do CPI.
Outro risco identificado pelo CPI está associado à metodologia de avaliação das ações de eficiência energética. Apesar de bem visto, o método escolhido restringe o conjunto de ações que poderiam ser implementadas pelas empresas ganhadoras. Um exemplo são campanhas de conscientização pela TV, que atingiriam um grupo maior de pessoas e poderiam poluir a análise dos impactos efetivos. Com isso, o projeto não aproveitaria o potencial máximo de redução de consumo na região.
No passado, o leilão de Roraima chegou a despertar o interesse da AES Tietê. Na época, a companhia enxergava no leilão uma oportunidade de aplicar, em larga escala, uma solução de armazenamento de energia com baterias, tecnologia na qual pretendia ser pioneira no Brasil. Quando o projeto entrou pela primeira vez em consulta pública, em 2018, a AES chegou a pedir ajustes no certame para permitir a aplicação da tecnologia. Porém, procurada pelo Valor, a AES Tietê sinalizou que não tem mais interesse. “Como o modelo proposto anteriormente pela Aneel não contemplava o tipo de solução que, na época, tínhamos interesse em oferecer, a empresa vem priorizando seus esforços em outras frentes.”