Especial: PL da renovação das concessões de distribuição avança natimorto, mas risco assusta

Data da matéria: 04/03/2024

São Paulo, 04/03/2024 – Em um movimento que surpreendeu o setor elétrico na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência – encaminhado em dezembro de 2023 – para a tramitação do projeto de lei 4831, sobre a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica. A medida, vista como uma disputa de forças entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o Executivo federal, agiliza o processo de aprovação do texto, já que permite a votação em plenário sem a análise pelas comissões da Casa legislativa. No setor elétrico, a avaliação é que o texto avança “natimorto”, já que é considerado ruim e com poucas chances de aprovação, embora de alto potencial de estrago.

Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, o projeto deveria ser rejeitado “pela maneira irresponsável como se propõe a intervir nessa macro regulação, sem o ferramental que, por sua própria natureza, o Legislativo não possui para assegurar coerência dessas decisões”, disse ao Broadcast Energia. Ele se refere ao fato de que o texto, de autoria do deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), interfere no funcionamento do sistema elétrico e cria situações que, a seu ver, podem tornar o setor “insustentável”. “Um projeto dessa natureza ser submetido à votação com a superficialidade com que está tratando os temas, só vejo um caminho minimamente razoável: o da sua total rejeição”, disse.

A equipe de análise do Safra também destacou que o texto extrapola a competência legislativa, pois interfere no marco regulatório do setor energético, e vai contra a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU), que em janeiro permitiu que o governo federal decida sobre os termos da renovação da concessão. Para os analistas Daniel Travitzky, Carolina Carneiro, e Mario Wobeto, a aprovação do texto como está provocaria uma reação muito negativa por parte dos investidores e um aumento da percepção de risco sobre o setor como um todo.

Entre os pontos críticos mais citados por especialistas no setor, estão cláusulas que preveem prazo de concessão mais curto – de 15 anos, ante os atuais 30 anos -; travas ao crescimento do mercado livre e da geração distribuída (GD); exclusão de perdas não técnicas (furtos de energia) dos cálculos tarifários; transferência de custos com subsídios à baixa renda para as concessionárias; e reserva de assentos nos conselhos das distribuidoras para representantes indicados pelos Estados.

A proposta foi apresentada por Bacelar em outubro do ano passado, em meio a críticas à Enel SP devido a falhas de energia após fortes temporais em São Paulo e reflete a defesa, pelos deputados, que critérios para a prorrogação das concessões sejam definidos em lei e não passem apenas pelo TCU e pelo governo. Após o aval da Corte de Contas dado em janeiro, o Ministério de Minas e Energia (MME) segue preparando a versão final de um decreto contendo as diretrizes para o processo de renovação dos contratos.

Na visão do analista do Citi Antonio Junqueira, o PL contém alguns artigos “tão negativos – e mal escritos – que levariam todos os players a não renovar”, gerando problemas para o governo federal. Por isso, ele avalia que ainda que tenha sido aprovada uma via expressa para votação do projeto, não há motivo para estresse. “Não há consenso político sobre a proposta de renovação do Congresso. O que foi aprovado foi o ‘processo rápido’. Isso não significa que haverá apoio de ambas as Casas (e que o governo não vetará algum artigo)”, afirmou. Para ele, o texto provavelmente não alcançará maioria na Câmara e Senado e não terá a aprovação do Executivo.

Um profissional que atua na área de relações institucionais de uma empresa de energia também classificou o texto como “muito ruim”, mas prefere não arriscar sobre o desdobramento. “O texto virou piada no setor quando foi apresentado, mas o relatório do Projeto de Lei sobre a privatização da Eletrobras também me soou um absurdo e acabou sendo aprovado, então ainda é cedo para dizer o que vai acontecer”, disse.

Interferência política

Essa fonte cita “forças ocultas” que atuam no setor e que estariam por trás de diversas propostas legislativas e emendas inseridas em projetos de lei de interesse do setor. Para ela, os limites à GD e ao mercado livre propostos no PL 4831, por exemplo, favoreceriam setores mais dependentes de políticas energéticas governamentais, que precisam de maior presença e força da União para atuar, por exemplo, na contratação de novas capacidades de geração.

Questionado na última sexta-feira, 01, sobre o tema, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fugiu do enfrentamento ao Congresso e preferiu sinalizar abertura ao diálogo, classificando o debate sobre o tema como “técnico e político”. Para ele, o caminho mais seguro para endereçar as concessões vincendas seria a renovação dos contratos, sem cobrança de bônus de outorga, mas com “mudanças consistentes nos índices de qualidade de serviço e de investimentos, e punições severas” em caso de descumprimento.

Silveira disse ainda que, apesar disso, não é “dono da verdade” e que não pode impedir parlamentares de pensarem de forma diferente. “Não posso criticar os meus sempre colegas e amigos parlamentares, o que eu posso é debater com eles sempre que convidado naquela Casa, sempre com mais profundo e altivo respeito ao Parlamento federal”, afirmou.

Sales, do Acende Brasil, disse ver com preocupação que temas complexos e fundamentais para o funcionamento do setor elétrico sejam “cada vez mais tratados na moldura de discussões políticas”. “O setor elétrico não pode ser tratado assim”, afirmou, citando as complexidades técnicas e a variedade de agentes de diferentes tipos que compõem o setor. “Todos têm de obedecer regras fundamentadas e muito precisas, de maneira a assegurar que tudo funcione harmonicamente; mas quando vêm iniciativas como essa, feita partindo do Congresso, que não tem o ferramental para compreender e para tratar e assegurar coerência em todos os elementos que compõem o setor, a consequência que traz é insegurança de maneira exponencialmente grave”, disse.

*Colaborou Ludmylla Rocha

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