ANEEL adota premissa errada em reequilíbrios de contratos, diz Acende Brasil
29/Set/2020, Broadcast – A proposta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre as regras de reequilíbrio dos contratos afetados pela pandemia preocupou o Instituto Acende Brasil, que teme insegurança no setor e elevação de custos para as distribuidoras caso o órgão vá em frente com as conclusões da área técnica. Em estudo inédito que traça cenários para o mercado de energia, os pesquisadores criticam as condições para a recomposição dos contratos e o que chamam de premissas “equivocadas” sobre inadimplência e redução de consumo no setor.
Em proposta divulgada em agosto, junto da abertura de consulta pública para debater o tema, a Aneel apresentou quatro saídas para responder aos impactos da pandemia nos contratos. Uma das opções, no entanto, é apontada desde já como a mais adequada pela agência. Nela, as distribuidoras que enfrentarem casos extremos de desequilíbrio, atingindo gatilhos, se tornam aptas a ter uma revisão tarifária extraordinária (RTE). Mas, quando o desequilíbrio for moderado, a concessionária teria de aguardar sua revisão periódica ou procurar a recomposição por uma nova metodologia sugerida pela Aneel, que, no entanto, exige contrapartidas e alteração no contrato de concessão (no caso das distribuidoras que tenham o contrato antigo).
No estudo, a Acende Brasil reprova o fato de as distribuidoras com desequilíbrio moderado não terem direito à recomposição sem estarem amarradas a essas condicionantes. “Há uma parcela da queda do consumo e das receitas irrecuperáveis ocasionadas por medidas da Administração Pública que precisam ser compensadas para restabelecer as condições pactuadas nos contratos de concessão, sem a imposição de condicionantes”, diz o estudo, intitulado ‘Cenários de Consumo de Energia Elétrica e o Equilíbrio Econômico-Financeiro das Distribuidoras no contexto da pandemia da covid-19’, ao qual o Broadcast teve acesso em primeira mão.
Para o presidente do Acende Brasil, Cláudio Sales, o setor está sendo levado a um grau de insegurança em razão das propostas da agência. “A esperança é que as discussões estão em processo de consulta pública, instrumento que a Aneel tem implementado muito bem. Esperamos que a agência considere isso e corrija essa trajetória na decisão final”, disse Sales.
O fato de a Aneel não ter previsto qual será a metodologia e os critérios de recomposição nas revisões ordinárias também preocupou o instituto. “O que a Aneel fez foi focar em critérios para ter reequilíbrio extraordinário, mas não esclarece para quem terá revisão ordinária. Isso impede a possibilidade de as distribuidoras incorporarem a expectativa da revisão em seus balanços”, explicou o diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios da Acende Brasil, Richard Lee Hochstetler.
Como as quedas intensas de receita ocasionadas pela pandemia podem pressionar a alavancagem das empresas, levando a um cenário de renegociação de financiamentos com maiores custos, os pesquisadores argumentam ser “crucial” incorporar, desde já, na contabilidade das empresas os ativos regulatórios associados ao reequilíbrio esperado.
“É importante esclarecer os critérios a serem utilizados para obter uma estimação razoável do valor desta revisão tarifária para que estes ativos regulatórios possam ser incorporados nas suas demonstrações financeiras como ativos contingentes”, avalia o estudo.
Riscos
O Instituto Acende Brasil também afirma que a Aneel errou ao considerar a queda de consumo ocasionada pela crise e de receita de arrecadação por inadimplência como riscos de mercado e de negócio. Os pesquisadores destacam que esses problemas foram intensificados por decisões de agentes públicos, como a proibição de cortes de energia por falta de pagamento ou a determinação de fechamento de estabelecimentos comerciais.
“Se a Aneel realmente quiser cumprir o objetivo de ‘conferir maior segurança ao segmento de distribuição de energia elétrica no contexto da pandemia’, é necessário alterar sua equivocada premissa, segundo a qual a queda no consumo e a elevação da inadimplência ocasionada pelas decisões governamentais para lidar com a crise covid-19 devem ser tratados exclusivamente como ‘risco de mercado’ ou como ‘risco do negócio'”, afirmam os pesquisadores. A entidade alerta ainda que o setor vai caminhar rapidamente para uma “provável judicialização” caso a Aneel não altere essas premissas.
Além de publicar o estudo, a Acende Brasil também fará contribuições diretas por meio da consulta pública, que fica aberta até o próximo dia 5 de outubro. Depois, a diretoria da agência poderá deliberar sobre o assunto. Procurada, a Aneel afirmou que o assunto está em análise e que a agência comentará “quando houver decisão final em reunião de diretoria”.