Apesar de ganhos em 2019, elétricas ainda destróem valor

Data da matéria: 09/12/2020

09/Dez/2020, Valor Econômico  – A rentabilidade das companhias elétricas brasileiras melhorou em 2019, revertendo uma trajetória de piora contínua nos últimos anos, mostra um novo estudo da KPMG em parceria com o Instituto Acende Brasil. Mesmo assim, o setor continua destruindo valor ano após ano: no acumulado desde 2017, a perda chega a R$ 48,8 bilhões.

Segundo os especialistas, o desempenho reflete um acerto da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na última discussão sobre a taxa regulatória de remuneração do capital, ou “WACC”.

“Havia uma preocupação no mercado para onde rumava esse movimento, e a Aneel foi numa direção interessante de balancear e equilibrar as forças. Há ainda um segundo efeito, vindo do próprio esforço das indústrias em melhoria de eficiência e performance das operações como um todo”, explica o sócio da KPMG, Paulo Guilherme Coimbra.

As conclusões do estudo se baseiam no EVA (“valor econômico adicionado”), métrica eleita como mais adequada para medir a rentabilidade num setor intensivo em capital. O cálculo do EVA envolve o retorno sobre o capital investido (ROIC) e o custo de capital (WACC) – nesse último caso, foram usadas as taxas estimadas pela Aneel. O estudo considerou demonstrações contábeis de 47 empresas do setor elétrico, sendo 29 distribuidoras, dez geradoras, quatro transmissoras e quatro empresas que investem em geração e transmissão.

Apesar da boa notícia de 2019, o fato de o setor continuar perdendo valor evidencia a necessidade de “calibragem” mais adequada do custo de capital. “Em setores altamente regulados, o desafio do regulador é cravar um custo de capital que ‘zera’ o retorno. A mensagem aqui é que o WACC regulatório exige atenção, porque ainda há uma trajetória a ser corrigida”, aponta Eduardo Monteiro, diretor executivo do Acende Brasil.

Os especialistas também destacam que, ao se excluir da análise a Eletrobras e suas subsidiárias, a perda de valor acumulada pelo setor cai para R$ 21,8 bilhões. Para o presidente do Acende Brasil, Claudio Sales, isso evidencia as dificuldades enfrentadas pela gigante estatal diante de seus pares privados num ambiente competitivo. “A despeito da melhora de performance da Eletrobras nos últimos anos, que foi espetacular, a gestão estatal tem desvantagens, tem menos liberdade de ação e agilidade”.

Esse cenário, porém, é “pré-pandêmico” e pode não permanecer para a análise de 2020.

Num exercício preliminar sobre o desempenho deste ano, o grupo focou nas distribuidoras de energia, mais afetadas pela pandemia. A conclusão é de que a pandemia afetou, sim, a rentabilidade dessas empresas: a melhora observada em 2019 foi revertida na primeira metade do ano.

“O impacto da pandemia precisa ser equacionado, precisamos ter uma trajetória sustentável”, afirma Sales. Coimbra, da KPMG, acrescenta que as conclusões preliminares para 2020 ficaram aderentes à reação observada nos primeiros meses da pandemia, quando o mercado passou a prever uma piora do desempenho na distribuição e as empresas tiveram queda de valor de mercado.

Diante dos sinais de prejuízo à rentabilidade das distribuidoras, os especialistas defendem a necessidade de reequilíbrio pela pandemia. Essa visão, porém, é controversa. Informalmente, a Aneel tem adotado uma postura mais dura. A leitura é que os impactos da pandemia foram muito menores do que se esperava de início, e que não seriam necessárias revisões extraordinárias na magnitude desejada pelas distribuidoras. Os próprios balanços das empresas no segundo trimestre já vinham sendo usados para sustentar essa tese.

A discussão sobre o tratamento dos efeitos da covid-19 às distribuidoras já passou por consultá pública e, agora, as empresas aguardam o posicionamento do regulador. A queda de braço promete ser difícil, já que as empresas defendem vigorosamente o direito “inegável” a reequilíbrio e discordam de algumas regras propostas pela Aneel.

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