Artigo: Benefícios de um modelo integrado de gás natural

Data da publicação: 09/04/2024

Por Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales

Modelo está sendo desafiado por decisão da Arsesp na classificação equivocada do Gasoduto Subida da Serra, o que traz impactos reais para os consumidores

O desenho de mercado de gás natural adotado no Brasil tem como um de seus objetivos fundamentais criar um modelo integrado que conecte diversas fontes de suprimento a um amplo número de consumidores, e isso depende de papéis bem definidos ao longo dos elos produtivos da cadeia de valor de gás natural:

(1) ampla concorrência no elo da exploração e produção, com múltiplos agentes produtores e importadores, unidades de processamento de gás natural e de regaseificação de gás natural liquefeito que se conectam…

(2)… à infraestrutura de Transporte, que desempenha o papel de um “hub” ou “market place” entre ofertas e demandas de mercado, e que deve oferecer acesso livre, transparente e isonômico por meio de suas redes de gasodutos que entregam o gás…

(3)… para a infraestrutura de Distribuição que, com suas redes locais, atende aos consumidores.

Este modelo integrado foi ratificado pela Nova Lei do Gás (14.134/2021), pelo Decreto 10712/2021 e pela Resolução CNPE 03/2022, marcos que envolveram anos de debate entre agentes de mercado e autoridades para dar segurança jurídica aos investimentos e clareza aos papeis dos agentes.

Comandos cruciais foram definidos, sendo que um deles, a Constituição Federal, estabelece que o transporte do gás é monopólio da União e a distribuição do gás canalizado é serviço público de competência dos Estados. A partir desta divisão de competências, fica evidente que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é o órgão responsável por regular, contratar e fiscalizar a atividade do transporte do gás natural via gasodutos.

Ao promover o encontro entre os fornecedores e os usuários deste combustível, o modelo integrado de transporte de gás natural proporciona: (a) segurança de suprimento no caso de falha de alguma das fontes; (b) maior flexibilidade para acomodar flutuações operacionais; e (c) competição em âmbito nacional entre os supridores, dando mais liberdade de escolha para as transações de compra e venda.

No entanto, este modelo integrado está sendo desafiado por uma decisão emitida pela agência reguladora de São Paulo (Arsesp), que, em 2019, autorizou a construção do Gasoduto Subida da Serra – ao custo de R$ 473 milhões pagos pelos consumidores de gás paulistas – na área de concessão da Comgás, classificando-o equivocadamente como gasoduto de distribuição.

Como este ativo tem características claras de gasoduto de transporte, a ANP, outros órgãos governamentais e entidades do setor prontamente questionaram o posicionamento da Arsesp. O impasse gerado pela Arsesp foi tão relevante que se tornou tema da Consulta Pública 10/2023 realizada pela ANP visando a estabelecer um acordo entre a ANP e a Arsesp.

Esta questão não implica mera disputa entre reguladores federal e estadual. A equivocada classificação do Gasoduto Subida da Serra como ativo de distribuição produz impactos reais para os consumidores de gás paulistas e brasileiros.

Em primeiro lugar, vejamos o impacto tarifário para os consumidores. Como o Gasoduto Subida da Serra foi construído com um traçado praticamente idêntico a um gasoduto de transporte já existente, ele duplica custos de infraestrutura para atender ao mesmo mercado. A implicação prática dessa redundância física é um bypass do sistema integrado de transporte de gás, reduzindo o volume transportado pela malha existente e aumentando a tarifa para os consumidores.

A tarifa aumenta porque o transporte do gás é remunerado por uma receita regulada definida pelo método de Receita Máxima Permitida: quanto maior o volume de gás, maior a utilização do gasoduto e menor a tarifa unitária paga pelos consumidores. Assim, a redução do volume de gás que seria transportado pela rede existente – e que será desviado para o Gasoduto Subida da Serra – aumenta a tarifa tanto para o consumidor paulista quanto para consumidores de outros Estados atendidos pela rede integrada de transporte.

Em segundo lugar, a classificação equivocada do Gasoduto Subida da Serra como ativo de distribuição caracteriza verticalização e concentração de atividades, pois as duas “pontas” a que ele se conecta, tanto o terminal de regaseificação quanto a distribuidora (Comgás), pertencem ao mesmo Grupo Compass. Essa verticalização impacta a concorrência e compromete a transparência na formação de preços.

Em terceiro lugar, pensemos na segurança de oferta para os consumidores, que ficam dependentes de uma única fonte de suprimento de gás: o Gasoduto Subida da Serra conecta o Terminal de Regaseificação na Baixada Santista (fonte supridora pertencente à Compass) à rede de distribuição da Comgás (distribuidora também controlada pela Compass) no Planalto Paulista.

Portanto, as consequências do bypass gerado pelo Gasoduto Subida da Serra são: (i) aumento de tarifa para os consumidores; (ii) verticalização e concentração de atividades; e (iii) diminuição de flexibilidade e segurança na oferta de gás pela restrição a uma única fonte de suprimento.

A ANP não pode permitir que o Gasoduto Subida da Serra desvirtue os princípios e papeis harmoniosamente concebidos pelos formuladores de políticas públicas e legisladores federais e que foram expressos nos marcos conceituais e legais. Estas e outras análises são detalhadas no estudo “O Fenômeno Bypass, a Desintegração do Mercado de Gás Natural e seus Impactos” (disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos).

O caminho do êxito do mercado integrado de gás natural no Brasil passa pela coordenação entre os agentes de transporte e distribuição de gás em prol da concorrência, do desenvolvimento do mercado livre, do acesso isonômico e transparente de novos agentes aos ativos de transporte e do melhor aproveitamento da infraestrutura.

Sem esta coordenação, não colheremos os benefícios de flexibilidade e segurança de suprimento, redução no preço final do gás natural para os consumidores, ampliação de investimentos, mais empregos e mais renda. Ou seja, a conta ficará para a indústria e seus consumidores finais.

Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales são diretor-executivo e presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br).

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