Artigo: Custos garantidos com benefícios incertos

Data da publicação: 09/02/2021

09/fev/2021, O Estado de S. Paulo  – O aumento da concentração de gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera é um dos principais desafios globais. A fim de atender aos compromissos do Acordo de Paris, os países signatários têm buscado formas de viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono. Entre as estratégias estudadas, a “precificação de carbono” – que atribui um valor às emissões de gases de efeito estufa – vem sendo crescentemente discutida nos principais fóruns econômicos e socioambientais internacionais. No Brasil, a atenção direcionada à precificação de carbono também se intensificou nos últimos anos. No âmbito do setor elétrico, a Medida Provisória (MP) n.º 998, editada em setembro de 2020, criou o contexto para a discussão desta política. Embora não faça referência direta à precificação de carbono, a MP 998 determinou, entre outras medidas, a observação de critérios de emissões de gases de efeito estufa no planejamento da expansão da oferta de eletricidade.

No entanto, é necessário levar em conta as características que tornam o setor elétrico brasileiro praticamente único no mundo para que possa ser avaliado o equilíbrio entre custos e benefícios de uma eventual política de precificação de carbono.

O Brasil integra o grupo dos dez maiores países emissores de gases de efeito estufa, mas, diferentemente da maioria dos seus pares, tem um setor elétrico com baixa emissão de carbono: com participação de fontes renováveis superior a 80%, o parque de geração de eletricidade nacional responde por menos de 2% das emissões totais do País.

Uma participação tão pequena do setor elétrico em relação ao total das emissões brasileiras limita os potenciais benefícios da precificação de carbono a partir desse setor.

Além disso, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – órgão governamental responsável pelo planejamento da oferta de energia –, as perspectivas da expansão da oferta, que incluem a gradual transição dos óleos diesel e combustível para o gás natural, indicam que, nos próximos dez anos, a produção de eletricidade deve emitir ainda menos carbono do que atualmente.

A matriz elétrica brasileira é formada em grande parte por usinas eólicas, solares e hidrelétricas sem reservatórios de acumulação, todas com baixíssima ou nenhuma produção de GEEs. São fontes variáveis de geração, pois dependem da disponibilidade momentânea de recursos naturais (vento, radiação solar e água, respectivamente) para serem acionadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

A garantia do fornecimento de eletricidade nos momentos em que a demanda supera a geração das usinas variáveis depende de fontes despacháveis sob demanda (que podem ser acionadas a qualquer momento), e, entre as tecnologias disponíveis, termoelétricas a gás natural apresentam bom equilíbrio entre custo e desempenho socioambiental.

Portanto, apesar da elevada penetração de fontes renováveis, a participação de fontes fósseis permanecerá relevante para garantir a segurança operacional do setor, independentemente da política de preços que vier a ser adotada.

Isso significa que um eventual mecanismo de precificação de carbono abrangendo o setor elétrico representaria um custo adicional para a tarifa de eletricidade sem que haja uma redução no total de emissões de GEEs no País. Cabe, ainda, lembrar que a tarifa de energia já embute uma carga de 48% de tributos e encargos, segundo estudo recente da PwC em parceria com o Instituto Acende Brasil.

Cada vez mais propalada internacionalmente, a política da precificação de carbono não deve ser importada para o setor elétrico brasileiro sem que antes sejam avaliadas as características que fazem do nosso conjunto de usinas um exemplar modelo de geração de energia com baixa emissão de carbono. Caso contrário, corre-se o risco de criar mais um mecanismo que onera o consumidor sem a obtenção dos benefícios pretendidos.

Claudio J. D. Sales e Alexandre Uhlig são, respectivamente, Presidente e Diretor de Assuntos Socioambientais e Sustentabilidade, do Instituto Acende Brasil.

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