Artigo: Eventos climáticos extremos e o suprimento de eletricidade

Data da publicação: 18/04/2024

Charles Darwin, em sua teoria da evolução, concluiu que sobrevive aquele que melhor se adapta a mudanças.  Esse pensamento deve servir de inspiração para o setor elétrico, que precisa se adaptar à nova realidade decorrente do aquecimento global e da ocorrência, cada vez mais frequente, de eventos climáticos extremos.

A atuação sobre as causas do aquecimento global se dá a partir dos acordos internacionais. Isto tem acontecido, mas em ritmo bem aquém do desejável. Em 2023, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) publicou relatório com cinco diferentes cenários de emissões de gás de efeito estufa (GEE), e assombra o fato de que o melhor dos cenários – aquele que se alinha às metas do Acordo de Paris – ainda mantém o aquecimento de 1,5o C até o ano de 2100.

As consequências desse aquecimento já se fazem sentir. A OMM (Organização Meteorológica Mundial) publicou que, em média, nos últimos 50 anos, tem ocorrido um desastre por dia relacionado ao tempo, clima ou água. Esses eventos produziram, em média diária, 115 mortes e mais de US$ 202 milhões de perdas. O número de mortes diminuiu ao longo desse período graças aos sistemas de alerta e preparação prévia, mas a frequência desses eventos aumentou 5 vezes ao longo dos 50 anos.

Os efeitos das mudanças climáticas que crescentemente afetam o setor elétrico são o aumento da temperatura média, a diminuição da precipitação média, o aumento de ventos em áreas áridas e litorâneas e a elevação do nível do mar.

É a combinação desses efeitos que tem produzido, com frequência que tem aumentado, a incidência de eventos climáticos extremos como ventos fortes, calor extremo, tempestades, inundações, deslizamentos de terra, raios, incêndios dentre outros.

Um estudo do NREL (National Renewable Energy Laboratory) destacou que as vulnerabilidades do setor elétrico em todo o mundo se dão em duas categorias: infraestrutura e processo. Por um lado, as primeiras são mais fáceis de resolver, por exemplo, com reforços no sistema, mas estas intervenções são muito custosas. Por outro lado, as vulnerabilidades dos processos são mais complexas, mas geralmente possibilitam correções mais baratas, como treinamento e desenvolvimento de normas.

No Brasil, o evento climático que mais afeta o setor elétrico é a variabilidade da precipitação de chuvas, uma vez que a maior parte da geração de energia (próximo de 80%) provém de hidrelétricas.  Por outro lado, aumentos extraordinários de precipitações podem provocar mobilização de detritos em áreas alagadas a montante das hidrelétricas e eventuais danos aos equipamentos das barragens e turbinas das usinas.

A geração eólica, responsável pelo atendimento de cerca de 6% da carga em um dia típico do mês de abril, é afetada gradualmente pelo aquecimento global, que provoca a diminuição da densidade do ar e, por consequência, a redução da geração de energia nas turbinas eólicas. Quanto aos eventos extremos, entretanto, o maior risco seria o excesso de vento, com rajadas e mudanças abruptas de direção, que poderiam danificar os equipamentos.

A geração solar fotovoltaica, tipicamente responsável por 8% da carga total nessa época do ano, também está sujeita a danos decorrentes de tempestades com ventos extremos.

Com relação às redes de transmissão e de distribuição de energia elétrica, estudos apontam que há quatro principais tipos de eventos climáticos extremos que resultam em interrupção do fornecimento de energia: geadas, ventos extraordinariamente fortes, enchentes e raios.

Recentemente, em 3 de novembro, ocorreu em São Paulo um evento desse tipo, em que rajadas de vento que chegaram a 104 km/h derrubaram cerca de 2.000 árvores sobre as linhas de distribuição da metrópole paulista. Foi a maior ventania de que se tem registro histórico e, para que se tenha ideia da violência do fenômeno, basta saber que as normas de segurança da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) impõem que postes devem ser capazes de resistir a rajadas de vento de até 94 km/h, patamar inferior ao que ocorreu naquele evento extremo. Este é um exemplo vivo do que podemos esperar para o futuro.

Em estudo publicado recentemente, “Estratégias de Adaptação do Setor Elétrico para Eventos Climáticos Extremos” (disponível em acendebrasil.com.br/estudos), o Instituto Acende Brasil apontou 25 tipos de impactos sobre o suprimento de eletricidade decorrentes de eventos extremos ao longo de toda a cadeia de valor do setor elétrico (geração, transmissão e distribuição). Para cada evento, são indicados os impactos prováveis e as ações mitigatórias de seus efeitos.

O que se espera é que o país busque implementar iniciativas como as apontadas de formas economicamente eficientes e socialmente justas. E de preferência sem exploração político-eleitoral de tragédias que afetam a população, especialmente nas suas camadas mais vulneráveis.

 

Claudio Sales e Alexandre Uhlig são Presidente e Diretor de Sustentabilidade do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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