Artigo – Geração Distribuída – Mais Jabutis e Mais Privilégios no Horizonte
Por Claudio Sales, Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro*
Os incansáveis lobbies de diversos grupos de interesse continuam buscando “boquinhas” com propostas prejudiciais da perspectiva do interesse público. Uma das últimas iniciativas é o Projeto de Lei 2.703/2022 (PL 2.703/2022), que nasceu na Câmara de Deputados por iniciativa do Deputado Celso Russomano (Republicanos/SP). O Projeto foi aprovado naquela Casa em dezembro de 2022 e agora tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal com relatoria do Senador Otto Alencar (PSD/BA). A matéria havia sido pautada na reunião da CAE de 12 de setembro de 2023 e acabou não sendo tratada, mas a ameaça de sua votação permanece.
Nossos senadores precisam rejeitar esse projeto porque ele introduz problemas e custos que prejudicam os consumidores de energia elétrica e beneficiam fornecedores, prestadores de serviços e consumidores de maior renda que não precisam de subsídios adicionais.
O texto do PL 2.703/2022 visa a promover várias mudanças na Lei 14.300, que regulamenta a Micro e Mini Geração Distribuída (MMGD) – lei que ironicamente acaba de ser promulgada em janeiro de 2022 pelo mesmo Congresso – ao:
- postergar o início da transição – que inclusive já foi iniciada em janeiro de 2023 – em que os subsídios cruzados que beneficiam a MMGD – e cujo custo para os demais consumidores vem se avolumando de forma exponencial nos últimos anos – seriam gradualmente reduzidos ao longo de sete anos;
- incluir na definição da Mini geração Distribuída hidrelétricas de até 30 megawatts (MW) de potência instalada, definição que atualmente se limita a geradores com até 5 MW;
- congelar a estrutura tarifária atual “imediatamente após a publicação desta lei”;
- aumentar a discricionariedade do consumidor-gerador para alterar os porcentuais e a ordem de utilização dos créditos acumulados para a compensação de energia consumida por outra unidade consumidora;
- estender o prazo para a incorporação de hidrelétricas; e
- permitir a substituição dos 1.500 MW de potência proveniente de usinas termelétricas a serem instaladas no Centro-Oeste, conforme determinado na Lei 14.182, por hidrelétricas de até 50 MW.
Destas seis mudanças, destacamos três que são escandalosamente danosas e precisam ser repelidas.
Postergação da redução de subsídios para geração distribuída
A postergação de prazo para o início da fase de redução de subsídios para a geração distribuída não deve ser concedida. O fato é que as tarifas já são demasiadamente atrativas para a Micro e Mini Geração Distribuída, tendo incitado um crescimento exponencial desta forma de geração: segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a MMGD saltou de 1 gigawatt (GW) em junho de 2019 para o incrível patamar de 23 GW de potência instalada em setembro de 2023.
A postergação da redução dos subsídios pleiteada pelo PL 2.703/2022 provocaria vários efeitos deletérios:
- aprofundaria o problema atual de uma expansão não coordenada da geração de eletricidade com a inserção de unidades de geração distribuída, resultando em investimentos desalinhados dos requisitos do sistema elétrico, podendo inclusive levar a investimentos ineficientes que elevariam o custo total do suprimento de energia elétrica no País;
- elevaria os encargos embutidos na conta de luz para cobrir a parcela da TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) que deixa de ser paga pelos usuários da MMGD, valor que já soma mais de R$ 4 bilhões este ano e que continuará a crescer (vide o “Subsidiômetro” da conta de luz disponibilizado pela Aneel: https://portalrelatorios.aneel.gov.br/luznatarifa/subsidiometro).
Apesar do estado ainda inicial de implantação da MMGD, os subsídios para este tipo de geração já são o terceiro maior subsídio arcado pelos consumidores de eletricidade, e superam inclusive os subsídios concedidos para custear a Tarifa Social, que ameniza as contas de luz de consumidores de baixa renda.
Inclusão de hidrelétricas de até 30 MW como minigeração
O Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) foi criado em 2012 via Resolução Normativa 482/2012 da Aneel para dar um impulso inicial à geração distribuída que, à época, não seria economicamente viável. Este mecanismo foi introduzido para incentivar consumidores a instalar geradores de pequeno porte nos seus estabelecimentos, o que poderia reduzir o consumo líquido dos usuários, diminuir os fluxos nas redes elétricas e amenizar as perdas elétricas no transporte de energia.
Obviamente usinas hidrelétricas de 30 MW não se enquadram no perfil de incentivo concebido em 2012, pois tais usinas não são mini geradores – e muito menos microgeradores – de eletricidade. São empreendimentos de porte bem maior e instalados em locais distantes dos grandes centros de consumo.
O principal efeito desta mudança seria o de favorecer o desenvolvimento de uma fonte específica de geração de energia – arbitrariamente selecionada – em prejuízo das demais fontes de energia, e às custas dos consumidores que precisarão arcar com os encargos para cobrir os subsídios embutidos no Sistema de Compensação de Energia Elétrica.
“Congelamento” da estrutura tarifária
O PL 2.703/2022 propõe que a tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD) paga pelo consumidor-gerador (aquele que ora gera energia, ora consome energia da rede elétrica) de uma instalação de geração distribuída seja igual à tarifa atualmente em vigor “imediatamente após a publicação desta Lei”.
Na prática, haveria o congelamento da estrutura tarifária atual e, se isso acontecer, a Aneel não poderá alterar a estrutura para definir as contas de luz futuras. Isto seria péssimo, pois a alteração de estrutura das tarifas é crucial para que as contas de luz possam refletir adequadamente os custos e benefícios proporcionados pela geração distribuída. À medida que se altera o perfil de uso das redes de distribuição, torna-se imperativo que a agência reguladora possa adaptar as tarifas de forma a alocar os custos de forma mais fidedigna entre os diversos usuários.
Em resumo, o PL 2.703/2022:
- posterga um subsídio para a geração distribuída que é desnecessário, oneroso, ineficiente e socialmente injusto;
- amplia o subsídio atual que beneficia a MMGD – e distorce o conceito de MMGD – ao incluir usinas de até 30 MW (de porte muito maior e que não estão localizados nas unidades de consumo) como beneficiárias dos subsídios criados originalmente para pequenos geradores de MMGD; e
- tolhe a capacidade da Aneel para tornar a alocação de custos embutidos nas tarifas mais equilibrada e mais justa em benefício dos consumidores que menos oneram as redes elétricas.
Confiamos que, conscientes da gravidade das injustiças e distorções apontadas acima, os senadores da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal rejeitarão o PL 2.703/2022 ou, pelo menos, suprimirão os aspectos mais prejudiciais deste projeto de lei para os consumidores de energia elétrica.
*Claudio Sales, Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br) e escrevem mensalmente para o Broadcast Energia.
Este artigo representa exclusivamente a visão dos autores.
Fonte: https://energia.aebroadcast.com.br/tabs/news/747/46097021