ARTIGO: Governança setorial e protagonismo do Ministério de Minas e Energia

Data da publicação: 10/02/2023

Na tradição brasileira, os princípios balizadores das políticas públicas são definidos em leis que são sancionadas pelo Congresso Nacional. E cabe à regulamentação infralegal (Decretos, Portarias, Resoluções e Instruções), instituída pelo Poder Executivo, esmiuçar as normas dentro dos princípios estabelecidos na legislação definida pelo Poder Legislativo.

Não obstante a primazia do Poder Legislativo na formalização das políticas públicas por meio de leis que dão solidez e segurança jurídica a tais políticas, cabe ao Poder Executivo liderar a formulação das políticas públicas. Afinal, é o Poder Executivo, sob o comando da Presidência da República, que:

concebe as diretrizes orçamentárias com metas e prioridades da administração pública federal;

deve zelar pela coerência sistêmica das políticas, considerando os interesses da população de todas as regiões e dos agentes econômicos de todos os setores da economia;

em sintonia com o conjunto de Ministros, mobiliza os membros do parlamento para legislar sobre temas prioritários.

No caso do setor elétrico, essa primazia recai sobre o Ministério de Minas e Energia (MME). No entanto, nos últimos anos temos observado a atuação crescente de parlamentares com propostas legislativas populistas, mal embasadas, e que visam a angariar notoriedade momentânea.

Estas iniciativas demonstram desprezo pelas instituições setoriais criadas para serem especializadas no setor elétrico, contando inclusive com corpos técnicos competentes para lidar com tais questões, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel – o órgão regulador) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE – que instrui o planejamento energético).

Como exemplo desse desprezo pelas autoridades elétricas, a apresentação de Projetos de Decretos Legislativos para anular decisões da Aneel são ridiculamente comuns, ameaçando o arcabouço institucional e elevando o risco setorial, o que por sua vez encarece o custo de captação de recursos financeiros para o setor, aumentando as tarifas dos consumidores de energia.

Também tem ocorrido um crescente voluntarismo visando a atender demandas de grupos de interesse específicos com a inserção de emendas em matérias alheias ao objeto da proposta legislativa em discussão. Tais ‘jabutis’ – como são referidos no jargão legislativo – são a antítese da boa prática legislativa, pois driblam o devido processo de deliberação, comprometendo a transparência e a previsibilidade da tramitação de temas, e inviabilizam a análise tempestiva e contextualizada das questões.

O resultado dessa prática deplorável dos jabutis legislativos tem sido a aprovação de políticas incoerentes e ineficientes, que beneficiam poucos – porém poderosos e muito bem-organizados – grupos de pressão às custas da maioria da população brasileira.

Mas o que talvez cause maior preocupação é a deterioração da governança institucional no próprio Congresso Nacional. Tem-se tornado cada vez mais comum a adoção de artifícios que prejudicam ou mesmo inviabilizam a análise e debate das propostas legislativas, com emendas e relatórios de plenário submetidos durante a sessão de votação, limitando o debate e a reflexão. Um verdadeiro “rolo compressor” legislativo.

As políticas públicas definidas nos próximos anos serão determinantes para a evolução do setor elétrico nas décadas seguintes. É fundamental que o Congresso Nacional seja instado a restaurar a disciplina do processo legislativo e que o novo Presidente da República e seu Ministro de Minas e Energia retomem seu papel de liderança na formulação de políticas públicas coerentes e bem fundamentadas no setor elétrico.

Claudio Sales, Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro

Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil