Artigo: Mecanismos de mercado para regulamentar o mercado de carbono

Data da publicação: 17/06/2023

A forma mais eficiente de se promover a descarbonização é por meio de mecanismos de mercado que permitam reduções de emissões diferenciadas em função do custo associado a cada atividade.

No mundo real, a promoção da redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) varia muito de uma atividade econômica para outra. Algumas atividades dispõem de alternativas tecnológicas que permitem reduzir as emissões a um custo não muito superior ao de meios de produção atualmente empregados. Mas há outras atividades para as quais simplesmente não há alternativas, ou para as quais as alternativas são extremamente caras.

Uma das formas para se implementar tais mecanismos de mercado é pelo sistema conhecido como “teto-e-comércio” (cap-and-trade), no qual são distribuídas permissões para emissão de GEE aos agentes econômicos.

De forma simplificada, o mecanismo funciona assim: os agentes econômicos que reduzirem suas emissões para níveis inferiores ao das permissões concedidas podem comercializar as permissões não utilizadas (os chamados “créditos de carbono”) para outros agentes econômicos.

Portanto, o mecanismo acima permite uma redução maior de emissões de GEE em atividades em que a mitigação pode ser alcançada com relativa facilidade, compensando assim as reduções de emissões mais modestas nas atividades em que a redução de emissões é muito custosa.

É a racionalidade na dimensão econômica do mercado funcionando para um objetivo na dimensão ambiental. Mas alguns cuidados precisam ser levados em conta na concepção das regras a serem adotadas neste tipo de mecanismo, especialmente quando olhamos para a realidade da operação do setor elétrico brasileiro.

No nosso sistema elétrico, a geração termelétrica não é ditada pelos agentes individuais, mas sim pelas necessidades sistêmicas. A maioria das termelétricas – usinas candidatas a utilizar o mecanismo de cap-and-trade devido à sua emissão tipicamente maior de GEE em comparação com hidrelétricas, eólicas e solares – opera com baixa taxa de utilização (fator de capacidade) em condições normais que prevalecem em grande parte do tempo, mas em períodos de estiagem podem ser acionadas de forma muito intensiva, ocasionando forte elevação das emissões.

Isto significa que as emissões de termelétricas podem variar muito de um ano para outro. Além disso, estas variações no despacho termelétrico, que é feito de forma centralizada pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), são ditadas por fatores fora do controle do proprietário da termelétrica.

Este fenômeno pode ser constatado quando comparamos duas janelas de tempo (ilustradas graficamente na seção 2.2.4 de nosso estudo “Propostas do Setor Elétrico para o Novo Mandato Presidencial (2023-2026)”, disponível em https://acendebrasil.com.br/estudos/):

  • entre 1999 e 2011 as emissões do setor elétrico giravam ao redor de 20 a 25 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano (tCO2e/ano); enquanto
  • entre 2012 e 2018, as emissões de GEE saltaram para a faixa de 35 a 70 milhões de tCO2e/ano.

 

Portanto, se as regras do mercado de carbono exigirem a apresentação de permissões equivalentes às emissões em cada momento, as termelétricas poderão – de forma involuntária, em função do despacho centralizado feito pelo ONS – enfrentar grandes dificuldades nos períodos secos, pois seriam obrigadas a adquirir uma grande quantidade de permissões adicionais.

 

Além da dificuldade de obtenção de permissões adicionais nas estiagens (´variável quantidade´), há também o problema da ´variável preço´: se houver baixa liquidez no mercado de carbono nos períodos de estiagem (quando as termelétricas estão sujeitas a acionamento mais intenso), os preços das permissões poderão atingir níveis que superam a capacidade de pagamento dos proprietários das termelétricas.

 

A fim de evitar tais situações, é imprescindível que as regras do mercado de carbono permitam realizar a apresentação de permissões para as emissões realizadas de forma interanual, ou seja:

  • considerando uma média móvel das emissões passadas compreendendo um período de vários anos; ou
  • permitindo que a apresentação das permissões seja escalonada no tempo, de forma que as permissões relativas a um determinado ano sejam empregadas para compensação de emissões em outro ano.

A imposição de modelos importados para a regulamentação do Mercado de Carbono sem levar em conta as especificidades brasileiras é fadada ao insucesso. O caminho mais promissor para a regulamentação do Mercado de Carbono no Brasil precisa ser baseado em um mecanismo de mercado, mas também levando em conta a nossa realidade, entre as quais as nuances da operação do setor elétrico brasileiro.

 

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