Artigo: Ultrapassando os limites da insensatez

Data da publicação: 26/08/2024

Lamentavelmente, algumas organizações buscam manipular pessoas e atravancar rituais de forma violenta para impedir que a sociedade discuta os projetos de energia.

Por Alexandre Uhlig e Claudio Sales

Todos sabemos que o Brasil precisa de energia elétrica para sustentar seu crescimento econômico e atender à demanda da população, que deseja ter acesso a bens eletroeletrônicos que lhes proporcionam conforto e, em muitas situações, aumento da renda das famílias.

Para que essa demanda seja atendida, anualmente o País precisa acrescentar novas usinas à sua matriz elétrica. É bom lembrar que, em 2023, 90% da eletricidade foi produzida a partir de fontes renováveis, o que é motivo de inveja por parte das maiores economias do mundo, que estão quebrando a cabeça para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Em média, a emissão de GEE dos países para gerar eletricidade representa 32% das emissões totais, enquanto no Brasil elas representam apenas 1% do total das emissões. Aqui no nosso país, 84% do desafio das emissões de GEE é imposto por três outros setores: o desmatamento ilegal, a agropecuária e o setor de transportes respondem por 48%, 27% e 9% das nossas emissões, respectivamente.

Fica evidente, portanto, onde os esforços de redução das emissões de GEEs deveriam estar concentrados. É difícil entender por que o setor de energia recebe tanta atenção quando responde por apenas 1% do problema.

Por outro lado, a massiva inserção de renováveis traz desafios para o sistema elétrico, e mantê-lo funcionando adequadamente a um custo razoável está cada vez mais difícil. Em um sistema com muita geração renovável, a energia pode não estar disponível no momento que o sistema elétrico requer, e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisa colocar em funcionamento fontes sob as quais ele tem total controle (as chamadas usinas “despacháveis”), uma vez que usinas eólicas e solares não são controláveis, pois dependem da disponibilidade instantânea de vento e sol.

É por esse motivo que o País passou a precisar de uma nova modalidade de leilão de energia, os leilões de reserva de potência. Nesses leilões são contratadas usinas que podem fornecer energia para o sistema em um curto intervalo de tempo, mas não é qualquer usina que possui essa característica. As usinas que fornecem “potência” mais convencionais são hidrelétricas com reservatórios, termelétricas (a gás natural, óleo combustível ou óleo diesel) e sistemas que armazenam energia, como as baterias. Os leilões definirão as usinas mais competitivas para fornecer esse “tipo” de energia.

Mas a participação nos leilões exige uma etapa anterior: o licenciamento ambiental. Nessa etapa, os empreendimentos têm a sua viabilidade ambiental verificada por um órgão ambiental. São realizados estudos e organizadas audiências públicas tanto para ouvir a população sobre as dúvidas e incertezas que envolvem o projeto quanto para proporcionar ao órgão ambiental uma oportunidade de apresentar à sociedade as características do empreendimento.

Os empreendimentos que geram energia possuem impactos socioambientais, mas geram empregos, renda e arrecadação de impostos para região. Cabe ao órgão ambiental avaliar se os impactos positivos provocados pelo empreendimento são maiores que os negativos, e para isso existe um longo processo do qual fazem parte as audiências públicas.

É aqui que os problemas se agravam com a insensatez e a truculência de alguns grupos de pressão. Lamentavelmente, algumas organizações buscam manipular pessoas e atravancar os rituais de forma violenta para impedir que a sociedade discuta os projetos de energia.

Nos dias 2 e 4 de julho, em Caçapava e São José dos Campos, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) organizou audiências públicas para apresentar e discutir o licenciamento ambiental da Usina Termelétrica São Paulo, uma termelétrica que busca a licença ambiental para participar do leilão de reserva de potência, mas a baderna promovida por alguns participantes barulhentos impediu sua realização.

O processo de licenciamento ambiental, e em particular as audiências públicas, serve para discutir o projeto. Impedir sua organização é um desrespeito e uma violência às pessoas que foram até o local para ouvir e opinar sobre o empreendimento.

Audiência públicas são ferramentas de participação popular valiosas para colher subsídios e informações, além de oferecer aos interessados a oportunidade de, democraticamente, encaminhar seus pleitos e suas preocupações, opiniões e sugestões.

No entanto, é necessário garantir o diálogo, algo que definitivamente não ocorreu nos dias 2 e 4 de julho. Pelo contrário: a truculência dos baderneiros impediu que: (1) o empreendedor apresentasse o projeto; (2) a consultoria ambiental expusesse o Estudo de Impacto Ambiental (EIA); (3) e o Ibama ouvisse a sociedade.

Impedir a realização das audiências públicas é uma violência que desrespeita os direitos dos cidadãos interessados e comprova a total ignorância – ou má fé – sobre o rito adotado pelas autoridades ambientais para analisar a viabilidade ambiental do empreendimento.

Aliás, atrapalhá-las não impede a continuidade do processo de licenciamento ambiental. Na prática, além do desperdício de tempo e dinheiro, perdeu-se uma grande oportunidade para entender melhor os impactos, as soluções adotadas e os benefícios do empreendimento para a região e para o setor elétrico nacional.

É fundamental que as pessoas que impedem a realização de atividades públicas sejam investigadas e responsabilizadas pelos seus atos. O Ministério Público e a Justiça devem garantir aos cidadãos o direito de se expressar de forma pacífica e organizada para que o Ibama realize seu trabalho sem comprometer o andamento do processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos.

Um país só será genuinamente democrático quando os direitos e deveres dos cidadãos forem respeitados e as diferenças de opiniões, garantidas sem violência.

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DE SUSTENTABILIDADE E PRESIDENTE DO INSTITUTO ACENDE BRASIL

Opinião por Alexandre Uhlig

Diretor de Sustentabilidade do Instituto Acende Brasil

Claudio Sales

Presidente do Instituto Acende Brasil

Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil