Artigo: Quinze milhões de reais da conta de luz para um show de música
Por mais estranho que pareça, foi o que aconteceu quando o governo decidiu que Itaipu teria que destinar esse recurso para cobrir parte dos custos
do show apresentado no âmbito da reunião do G20, tratado pela imprensa como “Janjapalooza”. Esse fato soma-se a outros em que o dinheiro de Itaipu é usado politicamente para custear atividades sem nenhuma relação com a geração de energia elétrica e seus custos socioambientais diretamente associados.
Além do Janjapalooza, outros exemplos recentes chamam a atenção: (1) Itaipu destinará R$ 1,3 bilhão para a infraestrutura da cidade de Belém do Pará; e (2) Itaipu acaba de anunciar que destinará R$ 81 milhões para uma cooperativa que integra o MST (Movimento dos Sem Terra) a pedido do presidente Lula. Difícil acreditar que o consumidor brasileiro saiba e concorde que o que lhe é cobrado na conta de luz sirva para gastar em coisas como esse volume de quase R$ 1,4 bilhão dos três exemplos acima. De onde vem tanto dinheiro e como é possível gastar assim?
Brasileiros pagam a conta de luz sem ter ideia de que estão custeando shows de música como o Janjapalooza e outros tantos absurdos
Segundo o Tratado Brasil-Paraguai, a tarifa de Itaipu é definida pelo chamado Custo Unitário do Serviço de Eletricidade (CUSE), que deveria ter sido reduzido vigorosamente nos últimos anos, pois seu principal componente – o custo do financiamento para construir a usina, que representava a maior parcela do custo total no passado – foi integralmente quitado e deixou de existir.
Dos componentes restantes incluídos no CUSE, o principal é o custo de exploração da usina, rubrica que engloba os custos operacionais e os custos socioambientais. Supondo que esses custos fossem mantidos no mesmo nível de 2021, o CUSE de Itaipu deveria ser de, aproximadamente, US$ 12,6/kW por mês. O que o Paraguai propôs e o governo brasileiro aprovou, no entanto, foi US$ 19,28/kW ao mês, valor 53% maior.
O custo de exploração da tarifa de Itaipu subiu 93% nos últimos dois anos, inflado pelos dispêndios em “projetos socioambientais”. No Brasil, esses recursos de Itaipu são alocados em inúmeros projetos sem qualquer relação com os impactos socioambientais da usina como o Janjapalooza. São recursos gigantescos e que correspondem a um verdadeiro “orçamento paralelo” para ambos os países. São recursos administrados pelo governo sem o rigor dos freios e contrapesos que regem o orçamento geral da União e sem qualquer tipo de controle por parte do Tribunal de Contas da União (TCU). Recursos esses, sempre é bom lembrar, cobrados, em sua integralidade, na conta de luz dos brasileiros.
O tratado Brasil Paraguai define o destino das receitas Itaipu. Uma parte vai para a cobertura das despesas de financiamento e do custo de exploração, como descrito acima, e outra parte é dividida igualmente entre Brasil e Paraguai a título de royalties, rendimento do capital inicial e ressarcimento de encargos de administração e supervisão. O tratado estabelece também que o país que não utilizar uma parcela dos 50% da energia de Itaipu a que tem direito deverá cedê-la ao outro país, recebendo um repasse adicional a título de “remuneração por cessão da energia”. Esse é o caso do Paraguai, que anualmente recebe esse repasse adicional (em 2023 foram US$ 273 milhões).
A realidade dos números é a seguinte: desde 1984 (quando as primeiras turbinas de Itaipu começaram a operar) até hoje, os consumidores brasileiros fizeram um pagamento líquido a Itaipu de US$ 87,6 bilhões e o Paraguai, ao contrário, e graças aos repasses que recebe, recebeu um rendimento líquido de US$ 6,0 bilhões. É isso mesmo: graças ao tratado de Itaipu, a sociedade paraguaia é dona de 50% de um ativo avaliado em dezenas de bilhões de dólares, que ainda produzirá um fluxo de caixa líquido bilionário por muitas décadas, sem ter posto dinheiro nem sequer ter assumido o risco pelo financiamento.
Esses fatos são suficientes para contestar o argumento usado frequentemente pela pressão diplomática do Paraguai para “forçar” o Brasil a aceitar aumentos desmedidos na tarifa de Itaipu. O governo brasileiro teria toda condição para proteger o consumidor e evitar esses aumentos abusivos do CUSE e de outros componentes da tarifa de Itaipu, mas não é isso que está acontecendo. Nem agora nem em 2008, quando o presidente Lula do Brasil e o bispo Lugo do Paraguai comprometeram-se a triplicar o valor do repasse pela cessão de energia.
Assim foi constituído esse orçamento paralelo de Itaipu com o qual o governo atende a seus objetivos políticos, totalmente financiado pela conta de luz dos brasileiros que, simplesmente, pagam a conta de luz sem ter ideia de que estão custeando shows de música como o Janjapalooza e outros tantos absurdos.
Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil.