ARTIGO: Rentabilidade de elétricas voltando ao horizonte?

Data da matéria: 24/01/2023

Anúncios sobre rentabilidade de empresas elétricas despertam muita atenção e, frequentemente, muitas paixões. Mesmo quando deixamos de lado os aspectos mais ideológicos que surgem ao se mencionar a palavra “lucro”, permanece sempre uma dúvida técnica: qual o melhor indicador para se avaliar se uma empresa ou um setor econômico está entregando rentabilidade adequada para seus acionistas, para a sociedade e para os governos? A resposta é simples: depende do tipo de empresa e de setor.

No caso de setores de infraestrutura, o cuidado mais importante ao se interpretar a rentabilidade envolve lembrar que esses setores são muito intensivos em capital e, portanto, um lucro de X bilhões de reais não pode ser avaliado sem antes sabermos quantos Y bilhões de reais foram investidos para propiciar o lucro obtido. Esse tipo de perspectiva não é revelado por indicadores mais conhecidos e intuitivos como Lucro Líquido.

Daí surge a importância do conceito de EVA (“Economic Value Added” em inglês, ou Valor Econômico Adicionado), métrica que é capaz de medir o valor econômico agregado acima do capital investido. Em outras palavras, o EVA é positivo se o retorno sobre o capital investido for superior ao custo de capital alocado na atividade. Em setores regulados, a expectativa de longo prazo é que o EVA, em média, flutue ao redor de zero, indicando um retorno sobre capital compatível com o custo de capital.

A fim de capturar o impacto da intensividade de capital sobre a rentabilidade de empresas do setor elétrico, acabamos de concluir a 5ª. edição do estudo desenvolvido pela KPMG e pelo Instituto Acende Brasil com o objetivo de estimar o EVA das empresas elétricas brasileiras a partir dos demonstrativos de resultado publicados entre 2017 e 2021, uma vez que os dados de 2022 só estarão disponíveis a partir de abril de 2023.

O estudo reflete o desempenho econômico de uma amostra de 47 empresas – 29 distribuidoras, 4 transmissoras, 10 geradoras e 4 geradoras/transmissoras – selecionadas a partir de um universo de 93 empresas que tinham dados disponíveis para todos os 5 anos do horizonte de análise.

Além da amostra de empresas e do horizonte de análise, outra escolha importante para se estimar o EVA é o custo de capital. A fim de fugir de controversas e permitir transparência e reprodutibilidade dos cálculos, adotamos como “proxy” do custo de capital o custo de capital regulatório (WACC regulatório) adotado pela Aneel para definir a tarifa: (a) de geradoras cotistas; (b) de transmissoras; e (c) de distribuidoras. Parte-se do WACC real definido e a inflação projetada para o ano para se obter o custo do capital nominal, que é então contraposto ao retorno sobre capital investido para se obter o EVA. A metodologia do estudo é detalhada no documento: www.acendebrasil.com.br/estudos.

Os resultados desta 5ª. edição do estudo requereram doses extras de cuidado e de análise para uma interpretação robusta porque, conforme apontado na Tabela 1 abaixo, no ano de 2021 houve desvio significativo entre a inflação projetada e a inflação efetiva do ano.

Tabela 1 – Inflação projetada e inflação efetiva

 

 

Inflação Projetada

Inflação Efetiva (IPCA)

Diferença entre Inflações
(Projetada – Efetiva)

2017

4,00%

2,95%

1,05%

2018

3,77%

3,75%

0,02%

2019

3,50%

4,31%

-0,81%

2020

3,24%

4,52%

-1,28%

2021

3,18%

10,06%

-6,88%

Por causa dessa discrepância, o EVA calculado a partir da inflação projetada também se distanciou do EVA calculado a partir do IPCA efetivamente constatado em 2021 de forma muito mais acentuada do que em anos anteriores (Tabela 2):

Tabela 2 – EVA com inflação projetada x EVA com inflação efetiva

R$ bilhões EVA com Inflação Projetada EVA com Inflação Efetiva Diferença entre EVAs
(Projetado – Efetivo)
2017 -18,2 -13,6 -4,7
2018 -20,0 -19,9 -0,1
2019 -10,6 -14,7 4,1
2020 +1,9 -4,3 6,2
2021 +24,4 -13,7 38,1
Total -22,5 -66,2 43,6

De forma consolidada, portanto, temos um EVA total para a janela de 2017 a 2021 que sai de R$ 22,5 bilhões negativos para R$ 66,2 bilhões negativos, uma diferença de R$ 43,6 bilhões de EVA negativo. A partir desses resultados, algumas conclusões e reflexões podem ser apontadas.

Em primeiro lugar, o impacto de um surto de inflação inesperada sobre o cálculo do EVA é enorme. Tome-se, por exemplo, o ano de 2021: o EVA desse ano computado com a inflação projetada teria sido positivo (+ R$ 24,4 bilhões), mas quando se considera a inflação efetiva, o EVA passou a ser negativo (- R$ 13,7 bilhões). Isso demonstra as distorções que variações inesperadas da inflação podem ocasionar e reforça a importância de se manter a inflação controlada. Se o IPCA de 2021 não tivesse disparado para 10,06% – frente a um IPCA projetado de 3,18%, de acordo com a pesquisa Focus do Banco Central – essa disparidade não teria acontecido com tanta força, conforme demonstram os anos anteriores (2017 a 2020).

Em segundo lugar, vejamos o outro lado da moeda: se pensarmos em cenários futuros de inflação retornando a patamares mais próximos da meta, podemos inferir uma recuperação da rentabilidade no setor elétrico. Isso teria acontecido com base no EVA calculado a partir da inflação projetada, que mostrou uma tendência positiva – apesar de teórica – a partir de 2020, com EVAs anuais que teriam saído do território negativo e teriam passado a ser positivos (compensando parcialmente os resultados negativos dos anos anteriores).

A correta estimação e interpretação da rentabilidade no setor elétrico ainda envolve grandes desafios técnicos e de comunicação, mas o arcabouço regulatório que tem sido desenvolvido e a equipe de técnicos da Aneel que tem sido formada nas últimas décadas têm condições de enfrentá-los, viabilizando assim a atração de investimentos de longo prazo.

 

* Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br). Paulo Guilherme Coimbra e Laryssa Ferreira são Sócios de Corporate Finance da KPMG (www.kpmg.com.br)

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