ARTIGO: Restrições de geração impostas por gargalos de transmissão

Data da publicação: 18/01/2023

Um dos desafios associados à nova composição da matriz elétrica é a provisão de uma rede de transmissão capaz de acomodar todos os fluxos elétricos.

Cada vez mais a geração advém das fontes eólica, solar, hidrelétricas de pequeno porte e de biomassa. Estas fontes apresentam três características que tornam o planejamento e operação da rede de transmissão muito desafiadores:

1. estas fontes são caracterizadas por usinas de pequeno porte dispersas geograficamente;
2. o tempo de construção das usinas requeridas para aproveitar essas fontes é menor do que o exigido para a instalação das grandes linhas de transmissão requeridas para escoar a energia das principais regiões de produção para os centros de consumo;
3. a sua produção é variável, o que acarreta variações na magnitude e – possivelmente – na direção dos fluxos nas redes de transmissão ao longo do tempo.

A primeira e a segunda característica são desafios para o planejamento da expansão das redes de transmissão. Como o tempo requerido para a instalação de novas linhas de transmissão é maior do que o tempo requerido para a instalação destas usinas, torna-se necessário definir a expansão da rede básica de transmissão antes de se conhecer exatamente quais e onde tais usinas serão construídas.

Portanto, a expansão da transmissão precisa ser baseada no mapeamento dos recursos em vez das usinas específicas. Se o planejamento for bem desenhado e, acima de tudo, respeitado – isto é, sem que haja atropelos e canetadas – é possível ter uma boa noção sobre de onde virá grande parte da oferta futura a partir da identificação das áreas mais atraentes em função das características dos recursos energéticos disponíveis e dos custos para seu aproveitamento em cada local. Isso já começa a ser feito, mas há defasagem que vem estrangulando a capacidade de escoamento de geração do subsistema Nordeste para o do Sudeste/Centro-Oeste.

Já a terceira característica é bastante desafiadora do ponto de vista de operação da rede elétrica. As redes de transmissão precisam ser robustas o suficiente para lidar com variações na intensidade e na direção dos fluxos de potência. Isto implica que se torna cada vez mais importante a digitalização da rede para permitir um monitoramento mais detalhado e a realização de manobras para gerenciar os fluxos de forma dinâmica.

As três características acima apontam para a necessidade de ampliação da capacidade das interligações regionais com o objetivo de viabilizar um melhor aproveitamento das sinergias advindas da geração a partir das diversas fontes ou das sinergias advindas da mesma fonte localizada em diferentes regiões.

O estrangulamento da capacidade de escoamento de energia entre regiões não apenas está comprometendo a entrada de novos empreendimentos, mas também – o que é mais grave – está inviabilizando o pleno aproveitamento da produção de energia de empreendimentos já instalados.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), autoridade responsável pela operação integrada do sistema elétrico brasileiro, já vem reportando em seu relatório mensal “Acompanhamento das Reduções de Geração” as restrições de geração impostas por gargalos de transmissão. O problema é especialmente agudo para parques eólicos e solares no sudoeste da Bahia, cujos fluxos seriam escoados na interligação Fluxo Nordeste – Sudeste (F-NESE). Há parques eólicos que foram impedidos de produzir mais de 5% de sua Garantia Física em função dos gargalos de transmissão (classificados como ‘restrição elétrica’ ou de ‘confiabilidade’).

A questão voltou a ser discutida recentemente na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na segunda fase da Consulta Pública 45/2019. Na carta CTA-ONS DOP 1571/2021, de 02/08/2021, o ONS informou que o Fluxo Nordeste – Sudeste (F-NESE) é bastante sensível às elevações de geração eólica e solar do Sudoeste da Bahia e que, para eliminação de violações desse fluxo, seria recomendada a redução prioritariamente de geração de parques eólicos e fotovoltaicos que têm sensibilidade significativa no controle de tais violações de natureza elétrica.

Em função desses desafios, torna-se cada vez mais necessário promover o robustecimento das interligações regionais de forma proativa para viabilizar maior incorporação de fontes variáveis de forma eficiente do ponto de vista econômico e segura do ponto de vista elétrico.

Também é preciso atentar-se aos critérios adotados para determinação de quais usinas devem efetuar cortes ou redução de produção (curtailment) para assegurar uma melhor distribuição entre os geradores na mesma área geoelétrica, evitando que o seu impacto acabe concentrando-se em alguns poucos agentes. Isso mitigaria o risco para os empreendedores de geração e, consequentemente, o seu custo de captação de recursos.

Se essas medidas forem adotadas, o consumidor de eletricidade ganhará duplamente com tarifas mais competitivas e suprimento mais confiável.

*Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro, Alexandre Uhlig e Richard Hochstetler são do Instituto Acende Brasil 

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