Artigo: Tarifa barata de Itaipu: oportunidade perdida?
Passados 50 anos da assinatura do Tratado de Itaipu, em 1973, a dívida para a construção da usina hidrelétrica Itaipu Binacional foi integralmente quitada, abrindo espaço para substancial redução de custo para os consumidores, já que o pagamento da dívida era o maior componente da tarifa de energia da hidrelétrica.
O Anexo C do tratado de Itaipu estabeleceu que, a partir de 2023, seriam revistas “as bases financeiras e de prestação de serviços de eletricidade”, destacando que, para isso, fosse considerado “o grau de amortização das dívidas contraídas pela Itaipu para a construção da usina”. No entanto, os sinais emitidos pelo governo brasileiro não têm sido animadores, e corremos o risco de perder a oportunidade de reduzir nosso custo de energia: a usina continua a ser alvo de uso político, inflando o custo da tarifa de Itaipu que é paga pelos consumidores brasileiros.
Esse risco ocorre porque quase toda economia obtida com a eliminação do serviço da dívida tem sido anulada com a ampliação de custos para desenvolver novos “projetos socioambientais” arcados pela hidrelétrica, vários deles totalmente fora do escopo da usina. Mais recentemente, em 2023, foram destinados R$ 600 milhões de Itaipu para obras em prédios na Universidade Latino Americana. E, em 2024, o governo anunciou querer usar recursos da usina para aplicar na infraestrutura de Belém do Pará, que fica a 3.300 quilômetros de distância de Itaipu.
Se as despesas com os chamados “projetos socioambientais” permanecessem no patamar vigente em 2021, o Custo Unitário do Serviços de Eletricidade (Cuse) ficaria em US$ 12,64/kW.mês, o que corresponde a R$ 130/MWh. Segundo nota do ministro de Minas e Energia, o valor de Cuse que está sendo negociado com o Paraguai é de US$ 19,28/kW.mês (53% mais alto que os US$ 12,64/kW.mês), o que corresponde a R$ 198/MWh. A esses valores ainda há de se acrescentar o custo do transporte da energia que é arcado pela usina, que é da ordem de R$ 60/MWh.
Portanto, o custo final da energia proveniente de Itaipu para as distribuidoras que atendem aos consumidores — que adquirem compulsoriamente a eletricidade de Itaipu — chega a R$ 260/MWh. Comparando esse custo ao valor da energia contratada das hidrelétricas no regime de cotas — que são as fontes que mais se assemelham a Itaipu, pois, são usinas hidrelétricas já amortizadas e com tarifas definidas pelo custo —, pode-se concluir que o custo de Itaipu é muito elevado, pois, atualmente, a energia adquirida dessas usinas cotistas é da ordem de R$ 178/MWh (valor que já inclui o custo de transmissão arcado pelo gerador). O valor de R$ 260/MWh da tarifa de Itaipu também é muito superior ao custo da energia advinda das usinas hidrelétricas construídas mais recentemente, como as de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, cujas tarifas variam de R$ 175 a R$ 200/MWh.
A outra referência pode ser usada para provar que a energia de Itaipu é cara: no último Leilão de Energia Nova, realizado em outubro de 2022, chegou-se a adquirir energia de um parque fotovoltaico por R$ 184/MWh (valor atualizado para abril de 2024). Isso significa que, com o valor de Cuse a US$ 19,28/kW.mês sendo cogitado nas negociações com o Paraguai, a tarifa de Itaipu não é competitiva e, dificilmente, atrairia interessados no chamado Mercado Livre de Energia, um ambiente competitivo em que os consumidores negociam livremente a aquisição do seu suprimento de energia, modalidade na qual os paraguaios almejam comercializar energia no futuro.
Esse uso indiscriminado dos recursos de nossa maior hidrelétrica torna cada vez mais difícil responder à pergunta: Por que as distribuidoras brasileiras devem continuar a ser obrigadas a adquirir energia de Itaipu quando há alternativas mais econômicas no mercado?”. O país observa atentamente. De um lado, ouvimos do presidente da República e do ministro de Minas e Energia que energia barata é uma prioridade. Mas, na prática, quando surge uma oportunidade concreta para reduzir a tarifa de energia dos brasileiros, percebemos que as “prioridades” de nossos políticos devem ser outras.
* CLAUDIO SALES, RICHARD HOCHSTETLER E EDUARDO MÜLLER MONTEIRO
Presidente, diretor regulatório e diretor executivo do Instituto Acende Brasil, centro de estudos do setor elétrico