Atraso em linhão para conectar Roraima tem custo bilionário

Data da publicação: 13/04/2021

13/abr/2021, Valor Econômico

O atraso na linha de transmissão Manaus-Boa Vista já custou R$ 2,6 bilhões aos consumidores brasileiros. O cálculo, feito pelo Instituto Acende Brasil a pedido do Valor, considera os subsídios embutidos na conta de luz para a geração termelétrica local desde 2015, ano em que o empreendimento, que finalmente conectará Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN), deveria ter entrado em operação.

Licitado há quase 10 anos, o projeto não teve sequer as obras iniciadas devido a um impasse no licenciamento ambiental e há pouca visibilidade sobre seu futuro. Recentemente, uma decisão judicial abriu caminho para a relicitação do empreendimento, o que poderia atrasar ainda mais a ligação do Estado ao SIN e prolongar a situação delicada do abastecimento elétrico local. No cenário mais otimista, com o começo das obras ainda neste ano, a linha ficaria pronta em 2024.

Na ausência do linhão e da importação de energia da Venezuela, Roraima vem dependendo integralmente da geração termelétrica local, com combustível subsidiado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo cobrado na conta de todos os consumidores do país.

De 2015 a 2020, o custo total da energia no Estado somou R$ 4,4 bilhões, segundo cálculo do Acende Brasil. Os valores passaram a superar R$ 1 bilhão por ano a partir de 2019, quando as importações da Venezuela foram interrompidas. Mas só parte desse montante representa um custo adicional pelo atraso do linhão, explica o presidente do instituto, Claudio Salles – retira-se da conta o “custo ACR”, custo médio da energia comercializada no mercado regulado.

No fim de março, a novela do linhão ganhou um novo capítulo com uma decisão em 1ª instância da Justiça do Distrito Federal que rescinde o contrato entre União e a Transnorte Energia (TNE) – formada por Alupar (51%) e Eletronorte (49%) – e prevê indenização à concessionária. A decisão foi dada numa ação aberta pela própria TNE, que, além de não conseguir a licença de instalação para as obras, discorda dos termos para reequilíbrio do contrato propostos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O grande entrave ao projeto é o licenciamento. Dos 715 km da linha, 125 km atravessariam terras indígenas dos Wamiri-Atroari, correndo em paralelo à rodovia BR-174. O tema é mais sensível aos indígenas pelos impactos sofridos pela comunidade à época da construção da rodovia.

O procurador da República, Julio José Araujo Junior, afirma que os Wamiri-Atroari deveriam ter sido consultados antes mesmo do leilão do projeto, em 2011. Esse entendimento baseia duas ações do Ministério Público Federal, que estão com julgamento em curso. Até então, prevalece a leitura de que a comunidade deve ser consultada na etapa de licenciamento.

“A consulta não é simplesmente uma audiência homologatória. Os indígenas têm um protocolo de consulta próprio”, ressalta Junior, que atuou no caso quando esteve na Procuradoria do Amazonas.

Nos últimos anos, foi elaborado um plano de ações mitigadoras e compensatórias aos indígenas. O documento foi traduzido e entregue pela Funai aos Wamiri-Atroari em janeiro. Ainda haverá uma reunião final, sem data marcada.

A União pode recorrer da decisão judicial que anulou o contrato com a TNE, ou então partir para a relicitação do projeto. No entanto, com a dificuldade de licenciamento ambiental, a segunda opção se torna menos factível.

“O problema principal é a licença ambiental, enquanto não se resolver o impasse, não adianta muito relicitar”, disse José Luiz de Godoy Pereira, vice-presidente da Alupar (dona da TNE), em teleconferência realizada no mês passado. Na ocasião, o executivo afirmou que a companhia tem intenção de negociar o contrato para viabilizar o projeto, mas observou que o reequilíbrio é um fator relevante.

A situação do linhão também preocupa a Roraima Energia. A distribuidora é responsável pelo parque gerador que abastece o Estado – atividade alheia ao negócio de distribuição – e não tem tido esses custos “neutralizados”.

“Hoje temos, por dia, 1 milhão de litros de óleo combustível [para geração], que giram até de R$ 6 milhões por dia. Isso impacta nosso financeiro, há um efeito caixa direto que pressiona a parcela ‘B’ da distribuidora” disse o presidente do conselho da empresa, Gustavo de Marchi, que também é presidente da comissão de Energia do conselho federal da OAB.

De Marchi lembra ainda que a distribuidora chegou a participar de leilões e adquirir contratos do mercado regulado, já que havia a perspectiva de interligação ao SIN. “Esses contratos pressupõem estar no sistema interligado, hoje estamos 100% isolados. A Aneel trouxe uma solução para isso, mas ainda temos alguns efeitos remanescentes, como juros e multas.”

Procurada, a Funai não comentou. Já o Ministério de Minas e Energia (MME) não se pronunciou sobre a possibilidade de relicitação, mas destacou que o linhão foi enquadrado como um projeto prioritário, admitido como de interesse nacional pelo Conselho de Defesa Nacional, e é objeto de acompanhamento pela Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (SPPI).

“O MME, e demais órgãos da União, tem acompanhado a evolução das ações no âmbito do licenciamento ambiental, as quais têm evoluído fortemente, mesmo com os impactos da pandemia de covid-19”, diz a nota da pasta.

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