MP da Eletrobras – Câmara aprova texto-base

Data da matéria: 20/05/2021

20/mai/2021, O Globo

Numa vitória para a agenda de privatizações defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a Câmara dos Deputados aprovou ontem o texto principal da medida provisória (MP) que permite a privatização da Eletrobras, com 313 votos a favor do projeto, 166 contrários e cinco abstenções. Os deputados ainda votarão sugestões para alterar a proposta que, depois, seguirá para o Senado.

A votação ocorreu após o relator do projeto, deputado Elmar Nascimento (DEMBA), alterar os pontos do parecer que o governo considerava que poderiam inviabilizar a operação. O parlamentar, no entanto, manteve outros trechos que, na avaliação de especialistas e técnicos do Executivo, podem encarecer a conta de luz.

A privatização da Eletrobras é necessária para retomar a capacidade de investimentos da empresa, que vem perdendo participação no mercado nos últimos anos.

O governo tem pressa para votar a MP, que precisa ser analisada até o dia 22 de junho nas duas Casas para não perder a validade. A medida tem força de lei desde 23 de fevereiro, quando foi editada, mas a privatização só pode ocorrer depois que o Congresso confirmar a sua validade.

A expectativa dos ministérios da Economia e de Minas e Energia é fazer a privatização da maior empresa de energia do país entre o fim deste ano e início de 2022.

USO DE TERMELÉTRICAS

A MP foi aprovada depois de uma forte obstrução de deputados da oposição, que foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a votação. Eles alegam que a MP deveria ter sido discutida numa comissão especial antes de seguir para o plenário. À noite, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, negou o pedido. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lembrou que desde o ano passado as MPs são votadas direto no plenário, já que as atividades da Casa estão sendo feitas de modo semipresencial, sem comissões para análise de MPs.

O líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), argumentou que o texto fora apresentado há 24 horas e que o prazo era curto para analisar a privatização da empresa dada a sua participação no mercado e o seu papel para a segurança energética do país.

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), defendeu a votação da medida:

— Nós temos bilhões para conservação de bacias hidrográficas, melhoria na qualidade dos reservatórios. Portanto, mais energia gerada e menor custo para o consumidor.

A empresa não está sendo vendida para esse ou aquele proprietário, ela se transformará numa corporação.

Um dos trechos polêmicos do projeto na avaliação de analistas, sem relação com a privatização, prevê que o governo deverá fazer um leilão para contratar 6 mil megawatts de energia gerada por usinas termelétricas movidas a gás nas regiões Norte, Nordeste e centro oeste até o fim do ano.

O ponto crítico para o mercado é que o texto do relator fixa em lei locais pré-determinados para a construção das usinas, tendo ou não infraestrutura de transporte de gás no entorno. A medida causa preocupação pelo risco de indicações políticas para determinar o local das termelétricas e pelo custo elevado de instalação de gasodutos. A despesa com a construção de infraestrutura recai sobre o consumidor.

IMPACTO DE ATÉ R$ 20 BI

No texto original, a construção de termelétricas era condicionante para a privatização. No texto final, ela não tem mais vínculo com a privatização, mas mantém o caráter de exigência.

Segundos fontes próximas ao governo, as perdas foram mitigadas com a definição de um preço para contratação da energia no texto, o que impediria que projetos com baixíssima viabilidade econômica fossem adiante.

O texto também obriga a contratação de pequenas centrais hidrelétricas (até 2026) e a renovação de contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) por 20 anos. A energia gerada pelas usinas do Proinfa é mais cara que outras alternativas das mesmas fontes, com a conta sendo paga também pelo consumidor.

A Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace) afirma que a contratação de termelétricas em quantidades e locais já definidos, sem suporte e estudo técnico, pode resultar no aumento de custo a todos os consumidores em R$ 20 bilhões ao ano. Cláudio Sales, do Instituto Acende Brasil, afirma que essa conta chegará ao consumidor:

— Amarrar, fazer o planejamento da expansão da geração, de forma predeterminada por um legislador, e não pela eficiência da matriz, é certeza que vai gerar problemas sérios para o futuro. A ineficiência sempre redunda em custos elevados.

Indústria se queixa de não ter acesso a benefício na venda

O modelo de privatização da Eletrobras prevê a emissão de novas ações que serão vendidas no mercado. Com isso, a fatia da União cai de cerca de 60% para menos de 50%. A previsão é que a capitalização levante mais de R$ 60 bilhões.

Do total, a expectativa é arrecadar R$ 25 bilhões para o Tesouro. Outros R$ 25 bilhões serão destinados para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um superfundo do setor elétrico que destina recursos para políticas públicas. O objetivo da medida é tentar reduzir as contas de luz. O relator estabeleceu que apenas os consumidores de pequeno porte, como residenciais, terão acesso ao benefício, o que foi alvo de protesto de grandes consumidores de energia, principalmente a indústria.

— Isso será um foco de judicialização certamente, pela falta de isonomia. E medida populista, que desorganiza o mercado — disse Reginaldo Medeiros, da associação dos comercializadores de energia.

O relator, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), defendeu o seu relatório. Ele disse que todas as mudanças tiveram o objetivo de evitar aumentos na conta de luz.

— Todas as propostas visam à modicidade da tarifa (busca pelo patamar viável a menor preço), com o direcionamento da CDE para os consumidores residenciais afirmou.

Será preciso criar outra estatal para abrigar as usinas nucleares de Angra e a hidrelétrica de Itaipu, que não podem ser privatizadas.

O relator determinou que o saldo financeiro da energia vendida por Itaipu a partir de 2023 (quando termina o período de pagamento do empréstimo de construção da obra) será dividido de forma que 75% sejam usados para abater encargos nas contas de luz e 25% para programas de transferência de renda do governo.

Pelo texto, todos os trabalhadores demitidos até um ano depois da privatização terão o direito de converter o valor da sua rescisão em ações da nova empresa pelo valor equivalente ao de 5 dias antes da data da emissão da medida provisória. Além disso, o governo poderá aproveitar os funcionários da Eletrobras em outra estatal.

— Entendemos que qualquer avanço dependerá de um processo exitoso de desestatização — disse Nascimento.

A Eletrobras privada terá de pagar R$ 3,5 bilhões em dez anos para a revitalização dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco e do Rio Parnaíba e R$ 2,3 bilhões em uma década para a revitalização das bacias hidrográficas na área de influência dos reservatórios das hidrelétricas de Furnas, subsidiária da Eletrobras com forte atuação em Minas Gerais. O recurso será gerido por um comitê ligado ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Será preciso desembolsar R$ 2,95 bilhões por dez anos para a “redução estrutural de custos de geração de energia na Amazônia Legal”.

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