CDE: Explosão de custos em 20 anos
23/mai/2022, Canal Energia
Conta de Desenvolvimento Energético ultrapassa R$ 30 bilhões e subsídios que são custeados por consumidores são cada vez mais questionados
Definida no último dia 26 de abril pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a Conta de Desenvolvimento Energético completa duas décadas vendo o seu orçamento atingir o valor recorde de R$ 32 bilhões, sendo que R$ 30,2 bilhões serão pagos diretamente pelos consumidores de energia brasileiros. O valor trará um impacto médio de 3,39% para os consumidores do Sistema Interligado Nacional, sendo que no Sul, Sudeste e Centro-Oeste esse impacto fica em 4,65%, enquanto nas regiões Norte e Nordeste fica em 2,41%.
A CDE de 2022 causou espanto não apenas pelo seu valor, mas também pelo salto na comparação com o ano anterior. Houve um aumento de 34,2% na comparação com o ano anterior. Em 2021, o encargo ficou em R$ 23,9 bilhões, com o consumidor arcando com R$ 19,6 bilhões. Em 2020, foram 21,9 bilhões. Este ano, a Conta de Consumo Combustível, que serve para subsidiar os custos anuais de geração de sistemas isolados, terá a maior fatia na composição, com R$ 11,96 bilhões. Os descontos na Distribuição, com R$ 9,3 bilhões e na Transmissão, com R$ 1,75 bilhão vieram em seguida com destaque.
Já o montante destinado a tarifa social dos consumidores experimentou um aumento de 48%, indo em um ano de R$ 3,6 bilhões para R$ 5,4 bilhões . A CDE possui ainda outras rubricas, como o subsídio ao carvão mineral, e o Programa de Universalização de Energia e de Eletrificação Rural.
A disparada na CCC pode ser explicada em decorrência ao aumento no preço do diesel e do gás natural, combustíveis usados para abastecer as usinas dos sistemas isolados. Já a elevação na rubrica da Tarifa Social de Energia veio pela inclusão automática dos habilitados no Cadastro Único do Governo Federal ou dos contemplados com o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social.
O futuro não se mostra animador para algumas rubricas. Na CCC, a interligação de Roraima ainda segue sem uma definição. Nos descontos de Tusd e Tust, a ‘corrida do ouro’ pela outorga de projetos renováveis faz com que até 2025 – quando o subsídio começa a ser extinto – muitas usinas entrem em operação, o leva a previsão de elevação do encargo.
A disparada da CDE traz impactos óbvios para o consumidor. Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, lembra que os descontos de Tust, Tusd e CCC em 2013 somavam R$ 5 bilhões e hoje chegaram a R$ 22 bilhões. “Não é possível querer ter um país com todas essas fontes importantes para ter uma energia barata e acabar tendo um custo final de conta dos mais caros do mundo”, observa.
Para Faria, é preciso atacar os subsídios inseridos na CDE, mas ele frisa que o caminho está no legislativo, já que os subsídios estão inseridos por meio de leis federais. Segundo o presidente da associação, os parlamentares ainda não conseguiram enxergar que a disparada da CDE leva a um cenário em que o custo da energia impacta no crescimento do país e também nos consumidores. “Precisamos de alguma forma sensibilizar os nossos parlamentares que esse é o problema”, alerta.
Pelo lado das distribuidoras, o presidente da Abradee, Marcos Madureira, também alerta para o aumento da CDE, já que o exorbitante valor é rateado pelos consumidores, pedindo uma revisão sobre a composição do encargo. Para Madureira, é preciso que subsídio que não se justificam mais sejam eliminados, como o das fontes alternativas, sob justificativas dessas fontes já terem custos iguais aos das tradicionais. “Não faz mais sentido a manutenção de um incentivo como esse, que só faz subir a tarifa”, avisa.
Criada em 2002, na mesma lei 10.438 que instituiu o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, a CDE não vem gozando de boa avaliação junto a órgãos de governo e controle. Análise do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério da Economia de dezembro de 2020 já apontava para o risco elevado de falta de transparência, de previsibilidade de despesas; de estudos de impacto sobre os descontos concedidos, além da ausência de metas e resultados a serem alcançados.
A recomendação foi a estruturação de um modelo de governança que permita o acompanhamento de todas as políticas subsidiadas pela CDE. O conselho também sugeriu a avaliação dos impactos advindos de alterações na conta tanto sob a ótica da origem dos recursos quanto da aplicação dos montantes arrecadados.
O CMAP detectou falta de delineamento do problema social ou econômico para os descontos ao setor rural. A eletrificação rural já estaria consolidada, com 92,6% da população atendida, recomendando a extinção gradual do subsídio para irrigantes em estabelecimentos maiores, abastecidos por alta tensão. Com as fontes incentivadas, o conselho observou que os preços das incentivadas já estão no mesmo patamar de competitividade das UHES ou UTEs movidas a gás, o que também justifica o fim do subsídio para as próximas outorgas.
Antes disso, em 2018, o Tribunal de Contas da União já havia em Relatório de Políticas e Programas de Governo criticado a governança da CDE, assinalando que não havia definição do problema ou da demanda social que cada subsídio pretendia resolver ou reduzir. Segundo o TCU, os subsídios são incompatíveis com o regime jurídico tarifário do setor; não haveria um sistema de avaliação da eficácia dos subsídios e a fiscalização do órgão regulador sobre a concessão dos subsídios seria insuficiente.
Para TCU subsídios da CDE são incompatíveis com o regime jurídico tarifário do setor e não há sistemática de avaliação da eficácia
A manutenção do subsídio concedido às fontes incentivadas também é outro foco de críticas. Por já atingirem relevância nos leilões e no mercado de energia, não seria mais necessário. Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, pede uma reflexão sobre esse desconto. Para ele, o benefício foi criado em uma época em que as eólicas, PCHs e UTEs a Biomassa não eram economicamente viáveis, o que não se aplica ao momento atual. “O tempo passou e essas formas de geração se mostram totalmente competitivas no mercado”, pondera.
A explosão da CDE joga luz no Projeto de Lei 4.012/2021, do deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), que tramita na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. O PL estabelece que os pagamentos realizados pela CDE observem as provisões definidas na Lei Orçamentária Anual, ou seja, saindo da conta de luz e indo para o Tesouro. Na justificativa, o deputado diz que a conta deveria ser um fundo para suportar políticas públicas pontuais no setor, mas que acabou virando um multibilionário “orçamento paralelo”, em que o consumidor fornece a receita para pagar subsídios e privilégios a poucos. Ainda de acordo com o projeto do deputado, os custos suportados pelos consumidores distorcem o mercado e encarecem artificialmente o preço da energia.
Paulo Ganime (Novo-RJ): CDE virou orçamento paralelo mutibilionário
Ganime acredita que pelo fato dos custos da CDE já virem embutidos na conta de luz, os deputados se sentem eximidos de responsabilidade sobre o que eles próprios inserem no encargo. “São medidas políticas e eleitoreiras tomadas sem a devida análise de impacto e ninguém vê a conta chegando”, aponta. Para o deputado, a CDE não chegou aos R$ 32 bilhões de uma hora para outra, mas sim por projetos aprovados que acabaram por elevar a conta.
Com a aprovação do projeto, o deputado do Novo acredita que haverá mais responsabilidade tanto do poder executivo quanto do legislativo na execução de políticas públicas e nos gastos. Segundo Ganime, a discussão do projeto traz polêmica com os seus pares na Câmara, uma vez que retira deles a chance de influenciar na tarifa do consumidor, ao mesmo tempo que adiciona ao orçamento algo que não estava previsto. “O momento agora é bom para o debate”, comenta. O PL é de 2021, quando o cenário tarifário era outro.
A aposta dos agentes do setor é no entendimento dos Congresso Nacional que a criação de subsídios sustentados apenas pelos consumidores não é razoável e não ajudará no recuo dos valores cobrados na tarifa. Ao mesmo tempo que o setor vê a saída, só lhe resta ações junto ao parlamento para tentar mudar esse panorama. “Se os congressistas não quiserem resolver o total de subsídios, não resolvem”, avisa Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica e diretor da NEAL Consultoria.
Para Santana, colocar a origem do custeio do subsídio no Tesouro é uma solução razoável que já foi tentada e que poderia dar certo na tarifa social ou no desconto do agricultor. Mas talvez a medida não tivesse êxito em rubricas como os descontos das renováveis. Investidores detectariam incerteza em receber o desconto do Tesouro em lugar das contas. “A ideia é boa, reduzir a tarifa e passar para o imposto. Mas temo que não funcione”, salienta. O ex-diretor da Aneel sugere que se fixe um valor para o subsídio, o que desincentivaria a adesão em massa. Para ele, a perspectiva é de aumento expressivo na CDE nos próximos anos, pelo alto número de outorgas de renováveis.
O Projeto de Lei 414, que moderniza o setor, aparece como uma espécie de antídoto mitigador já que o tema é abordado no seu conteúdo. Mas a resistência de parlamentares e nichos pela manutenção tem colaborado para que o PL ainda não tenha sido levado à votação. A privatização da Eletrobras, prevista para ser realizada no próximo mês, também pode trazer um alívio para o consumidor. Parte dos recursos deve ser aportada na CDE e consta-se que o governo já pretende fazer isso imediatamente.
Quando a CDE desse ano foi definida pela Aneel, o presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres, Paulo Pedrosa, foi mais um a alertar sobre o alto valor do encargo e as suas consequências. “O impacto deste aumento aparece não só na conta de luz, mas em todos os produtos consumidos. O debate sobre o preço e o peso da energia vai se tornando cada vez mais urgente”, disse Pedrosa em uma rede social. A associação idealizou a campanha “O Peso da Luz” em que mostra o Medidor do Peso da Luz, com o valor de quanto os brasileiros já pagaram em impostos e subsídios e na conta de luz em 2022. Segundo a associação, a cifra até o fim do ano deve chegar em R$ 144 bilhões.