Com 36 mil imóveis ainda sem luz, presidente da Enel diz que crise acabou

Data da publicação: 17/10/2024

Presidente da concessionária afirmou que 3,1 milhões de imóveis ficaram no escuro nas quatro primeiras horas do apagão, 1 milhão a mais do que o divulgado anteriormente. Efetivo de 2500 funcionário continuará nas ruas para possível nova crise

O presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre, disse que a cidade já está “fora de crise”, após o apagão da última sexta-feira (11). São Paulo permanece, entretanto, com 36 mil imóveis no escuro. O presidente disse que foi notificado da decisão judicial para o reestabelecimento de energia em 24 horas, mas o número está próximo da “normalidade”, diante dos 8 milhões de clientes da empresa. Lencaster justifica que os números de afetados hoje não tem ligação com o apagão de sexta e sábado.

— Nós estamos em uma situação de normalidade. Os clientes (prejudicados) do dia 11 e 12 foram zerados nesta madrugada. Estamos em uma operação dentro da normalidade. Já estamos fora de crise.

Lencastre afirmou que 3,1 milhões de clientes ficaram sem energia elétrica nas quatro primeiras horas de apagão na capital paulista e Região Metropolitana. O número é 1 milhão a mais do que o divulgado inicialmente pela companhia, que foi de 2,1 milhões. Segundo Lencastre, até o fim da noite da última sexta-feira, 1 milhão de residências e comércios tiveram o fornecimento de luz normalizado.

Sobre a possibilidade de novos eventos climáticos extremos, como fortes chuvas, Lencastre disse que vai manter o número de equipes que já estão na rua. São pouco menos de 2500 funcionários, de acordo com ele. No auge da crise, cerca de 2900 funcionários atuaram na capital e grande São Paulo.

— Estamos mantendo a operação de crise, mesmo não estando mais em crise neste momento — reforçou.

Guilherme Lencastre disse não ver risco de abertura do processo de caducidade a pedido da Aneel, olhando para os números de retorno exigidos pelo contrato de concessão.

— Estamos sob um processo de fiscalização neste momento. Nós trabalhamos cumprindo um contrato. Ele tem indicadores objetivos (para medição da qualidade do serviço) de duração e frequência no fornecimento de energia. Nós cumprimos em 2023 e estamos cumprindo em 2024, estamos cumprindo esses itens do contrato.

O prefeito e candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB), assim como seu aliado e governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), alegam que uma punição da Enel — ou mesmo o cancelamento do contrato — dependeria de ações federais. O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, alega que só pode agir após pronunciamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), reguladora do serviço.

A intervenção federal em uma empresa privada que tenha concessões de serviços pode ocorrer em casos de “falha gravíssima”. O ministério, então, escolhe um representante para administrar os serviços prestados no lugar da empresa. Ao mesmo tempo, o governo também pode abrir um “processo de caducidade” do contrato, que encerraria os serviços prestados definitivamente e possibilitaria a escolha de uma nova empresa para concessão dos serviços. Esse último costuma ser mais demorado.

Sobre a renovação do contrato, Lencastre disse que vai avaliar a possibilidade quando um novo contrato de concessão for elaborado e divulgado pelo governo.

Guilherme Lencastre justifica ainda que a companhia não faz “investimentos massivos” na melhoria da rede elétrica por falta de incentivos, ou retorno financeiro para a empresa. Para a mudança de fios aéreos para uma rede de energia subterrânea, seriam necessários dez vezes mais do que a atual e não é solução simples. Lencastre pediu incentivos e mudanças no contrato de concessão para que a companhia faça investimentos em uma rede elétrica mais resiliente.

— Estamos fazendo os investimentos, mas precisamos de um tempo. Rede subterrânea é opção, mas não é solução simples. Uma rede subterrânea custa dez vezes mais que uma rede aérea. Estamos fazendo uma parceria com o Cemaden [Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais] para instalação de um radar de eventos extremos em São José dos Campos. Para que tudo isso seja feito, nosso cenário precisa ser modernizado. O atual contrato não traz esse incentivo para investimento para resiliência. Precisamos colocar mais recursos. Precisamos de incentivos corretos — ponderou.

Lencastre diz que, atualmente, os investimentos na rede elétrica demoram entre quatro e cinco anos para retornar à empresa como lucro. Para ele, o ideal seria que esse retorno ocorresse em um prazo de um ano. O presidente da empresa defende que incentivos fiscais que hoje existem para empresas de geração de energia sejam diminuídos e realocados para empresas de distribuição.

— E se a gente diminuísse esse incentivo e tornasse esse incentivo para distribuição e resiliência de rede?

O volume de residências e comércios ainda sem luz na capital paulista e Grande São Paulo, de 36 mil nesta quinta-feira, também é considerado dentro da normalidade por especialistas ouvidos pelo Globo. Eles explicam que o volume está dentro dos limites estipulados pela Aneel. A agência exclui do cálculo a interrupção dos serviços em casos de eventos climáticos extremos. Para incluir os cenários de chuvas intensas e vendavais nas limites da Aneel, a conta de luz poderia ficar mais cara, ou os custos precisariam ser arcados pelo governo.

O engenheiro mecânico e industrial e presidente da Acende Brasil, Claudio Sales, explica que a Aneel estabelece o máximo de 4,9 interrupções de transmissão de energia por consumidor, a cada ano. Multiplicando esse número pela quantidade de consumidores em São Paulo, cerca de 8 milhões, e dividindo o resultado pelos dias do ano, o especialista chegou a conclusão de que a empresa pode ter até um máximo de 106 mil interrupções do serviço de energia por dia. Já a duração de uma interrupção deve ser de no máximo 7 horas, sem contar os dias de eventos climáticos extremos.

— É inimaginável achar que tem uma rede desse tamanho que trabalhe com 0% de interrupções. Acidentes como batidas de carro em posto, um equipamento que pifa, acontecem. Mas qual o limite aceitável? Não tem um limite para todas as concessionárias, porque depende do tamanho e concentrações de usuários na rede. Para a área de concessão em São Paulo, 106 mil cortes na media por dia é o aceitável. Se estamos em 36 mil cortes no dia, estamos abaixo da média estabelecida pela Aneel e dentro da normalidade.

A professora de Engenharia Eletrica da FEI (Fundação Educacional Inaciana), Michele Rodrigues, concorda:

— Um ponto importante é que não podemos esquecer que o sistema elétrico é dinâmico e ocorrências de falta de energia ocorrem sempre. E importante separarmos o que foi do ciclone na sexta com ocorrências normais do dia a dia como postes abalroado, materiais com fadiga, bem como demais defeitos relacionados. As concessionárias têm planos estruturados para situações extremas, porém como em qualquer situação não se faz um planejamento para eventos catastróficos como foi esse.

A inclusão de eventos climáticos extremos nos cálculos de interrupções máximas aceitáveis da Aneel, de acordo com os especialistas, precisariam levar em conta o custo que cada companhia responsável pela concessão teria ao manter o padrão de resposta rápida em casos de vendavais, chuvas fortes e ciclones. Para o diretor-presidente da ABCE (Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica), Alexei Vivan, os investimento podem encarecer a conta de luz.

— A empresa estabelece uma tarifa para manter o parâmetro estabelecido pela Aneel. Anos atras não se tinha a previsão de eventos climáticos extremos, agora com esses eventos, mudar os parâmetros é possível, desde que se tenha uma tarifa suficiente para esses eventos. Senão você tem um problema no equilíbrio econômico financeiro da concessão. Tem que se dizer de onde saíram esses investimentos, da tarifa, ou por parte do governo? Mais ou menos 20% da conta de luz hoje é da concessionária de distribuição. Hoje, a Aneel estabelece o valor da tarifa e o retorno da empresa.

Alexei destaca ainda que mudar quem administra a concessão, no caso de intervenção ou caducidade do contrato, não mudará o fato de que as empresas precisaram de recursos para se prepararem para os eventos extremos.

— Você trocar o controlador da concessão não vai mudar se a tarifa ou recursos disponíveis não mudarem.

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